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terça-feira, 29 de abril de 2025

Não foi o Estado quem falhou, quem falhou foi a electricidade!

Há quem diga que este blog foi a semente da Iniciativa Liberal.

E até pode ter sido mas, neste momento, dentro da Iniciativa Liberal há mais guerras internas do que pessoas a pensar o que, de facto, é o liberalismo.

Por exemplo, no outro dia, o chefe do partido disse qualquer coisa como "O Carlos será um bom ministro da eficiência do Estado" mas, estranhamente, não avançou com nenhuma medida que é necessário implementar para reformar o Estado:

Privatizar as escolas, universidades, hospitais, portos e transportes públicos?

Passar essas instituições a ser empresas privadas ou cooperativas?

Quem vão ser os seus proprietários,  os professores, médicos, enfermeiros, escriturário, motoristas, estivadores ou vão ser vendidas a empreendedores? 


A afirmação da Iniciativa Liberal quanto ao apagou não faz sentido.

Às 11:38 a rede eléctrica ficou vazia, parou tudo o que estava ligado à rede eléctrica.

Vamos supor que eu ia à padaria e a menina me dizia "Não lhe posso vender pão porque estou sem farinha". Será que um liberal poderia dizer "O Estado falhou"?

Claro que não.

Sendo a electricidade um bem como outro qualquer, não compete ao Estado fornecer esse bem às pessoas. Se não há electricidade, tem que se dar tempo ao sistema privado para resolver o problema.

E foi isso que aconteceu e muito bem.


A razão técnica para o apagão.

A electricidade que consumimos usa uma rede partilhada entre Portugal, Espanha e França. 

A rede tem milhares de produtores que injectam energia e dezenas de milhões de consumidores que retiram energia. Em cada momento, a potência produzida é exactamente igual à potência consumida.


O problema da tensão constante.

Raciocinando em termos de corrente contínua (que é conceptualmente mais simples), imaginemos que são injectados 1000 KW e são consumidos 1000 KW.

A energia consumida vai ser dada pela multiplicação da resistência do equipamento pela tensão da rede.

       Potência = Tensão ao quadrado /  Resistência

A resistência é própria dos equipamentos ligados pelo que, no exemplo, a resistência vale 

     1000000 =  220^2 / Resistência <=> Resistência = 220^2 / 1000000 = 0.484 Homs


Se ligarmos mais equipamentos, a tensão da rede diminui.

Como os equipamentos são ligados em paralelo, há uma redução na resistência, por exemplo, para 0.480 Homs. Se a potência produzida se mantiver constante, a tensão vai diminuir cerca de 1 Volt.

    100000 =  Tensão^2 / 0.480 <=>  (100000*0,480)^0,5 = 219.089 Volts

 

Se a tensão da rede diminui, há equipamentos que vão ficar estragados.

A correcção tem de ser feita de forma instantâneas. Não havendo tempo para aumentar a produção, a rede está dividida zonas (por exemplo, 1000 zonas) que vão ser, sequencialmente, desligadas até a tensão voltar a 220 Volts.

O sistema de controlo vai garantir que a tensão é 220 Volts ou 0 Volts, nunca mais nem menos. 


É comunicado aos produtores a necessidade de aumentar a produção.

Primeiro, as centrais hidroeléctricas respondem em menos de 10 segundos e, depois, as centrais a gás que respondem em menos de 10 minutos.

Entrando novas potencias na rede, passa a haver o risco da tensão passar a ser superior a 220 Volts o que não pode ser pois irá queimar os equipamentos (um pico de tensão). Tem então de ser tudo feito com muito cuidado. 


Se se produzir mais electricidade, a tensão da rede aumenta.

Como os equipamentos são ligados em paralelo, há uma redução na resistência, por exemplo, para 0.480 Homs. Se a potência produzida se mantiver constante, a tensão vai diminuir cerca de 1 Volt.

    110000 =  Tensão^2 / 0.484 <=>  (110000*0,482)^0,5 = 230.261 Volts


A Razão está aqui:

Se a tensão da rede aumentar, há equipamentos que vão ficar estragados.

Mais uma vez, a correcção tem de ser feita de forma instantâneas. A solução técnica é haver equipamentos destruidores de energia e que aquecem água de uma barragem. 

Este problema é muito grave porque as redes têm interruptores de segurança que desligam os equipamentos e, consequentemente, fazem diminuir o consumo e aumentar ainda mais a tensão da rede.

Por questões de eficiência, acredita-se que não é preciso sistemas de destruição de energia e, a consequência, é poder haver apagões.

1) Excesso de produção -> Tensão aumenta -> Não existe equipamento de destruição da energia

2) Equipamentos desligam por segurança -> Tensão aumenta mais -> A rede entra em colapso.


Lembram-se da 'electricidade a preço negativo'?.

O preço negativo traduz que os produtores pagam para que a sua energia seja destruída. Não podendo parar a produção, a única solução é pagar a quem tem equipamento de destruição.


O problema da fase da corrente eléctrica é ainda maior.

A electricidade é uma onda que oscila 50 vezes por segundo (50 Hertz) entre +220Volts e -220Volts e esta onda viaja a certa de 200 mil quilómetros por segundo. Então, a electricidade quando sai da França e chega a Portugal (depois de percorrer 2000 km), não pode ser ligada à nossa rede porque está atrasada meia onda. Tem então que ser pedido à França "A electricidade que injectas na rede tem de estar meia onda adiantada relativamente à nossa". O problema é que, quando comunicamos com a França o instante de sincronização, as nossas comunicações sofrem atraso!!!!! Um problema complicado de coordenar.

E todas as ligações à rede têm de estar sincronizadas.


A culpa está na optimização.

Em termos estatísticos, a média de uma amostra maior tem uma variância menor. Então, ao termos uma rede maior, os picos de sobre-tensão e de sub-tensão são menores.

Então, reduziu-se o equipamento que destrói energia e o equipamento que aumenta rápido a potência.

A primeira falha resulta de o dimensionamento deste equipamento não estar compatível com o aumento muito rápido de produtores variáveis, solar e vento.


Terá sido por acaso que a rede rebentou num dia de Sol nas proximidades das 12 horas, momento em que a produção solar é máxima?

Não.

A potência injectada aumentou, a tensão começou a subir, não houve forma de controlar a subida da tensão e os equipamentos começaram a desligar.

Imediatamente, as centrais nucleares espanholas entraram em modo de crise, isto é, desligaram da rede.

Acontece que esta tecnologia demora um par de dias a desligar e até uma semana a voltar a ligar a 100%. Dai, ter havido um comunicado da REN que poderia demorar uma semana a repor a situação.

Só não demorou uma semana porque a França ajudou.


Finalmente, para não haver risco de apagão.

Infelizmente, teremos de pagar mais pela a electricidade.

Seja porque há empresas como as siderurgias eléctricas que se disponibilizam, mediante um pagamento, a alterar o seu consumo instantaneamente seja por contruir equipamento rápido e caro que está quase sempre parado, teremos de pagar mais.

E ninguém quer pagar mais quando a eventualidade do apagão se traduziu numa ocorrência em muitas décadas.

É como o risco de cair na rua, talvez fosse bom usar capacete mas como é raro, ...

Fig. 1 - O Estado falhou porque permitiu a venda de alimentos ultra-processados.

2 comentários:

  1. O valor nominal baixa tensão é de 231 V simples e 400 composta há muitos anos.
    Essa é uma das inexactidões.
    Gosto de ler os posts sobre economia, matéria em que sou ignorante.

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  2. Caro Professor Cosme,

    Concordo consigo que a Iniciativa Liberal é liberal quase só em nome, não tem a coragem politica de falar em cortar nas áreas onde o Estado mais gasta (como diz, ensino, saúde, segurança social). Se a despesa publica continua a aumentar, vai ser sempre necessário mais e mais receita fiscal.

    A proposito do recente apagão, faz agora 3 anos que trabalho no Luxemburgo, numa empresa chamada Joint Allocation Office (JAO). A JAO foi criada pelos Operadores de Rede de Transporte (ORT) europeus (TSOs em inglês), sendo a REN o ORT português.

    Podia o Professor Cosme escrever um post dando-nos luzes sobre o que pensa do atual sistema de cooperação elétrica europeu (comparando-o por exemplo ao sistema americano em termos politicos e de eficiência?), e o que pensa da aposta na transição energética europeia que está em curso nos últimos anos (os mais nacionalistas têm razão quando dizem que é uma aposta ingénua que prejudica a economia?)?

    Obrigado e um abraço,
    Diogo

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