Porque as pessoas poupam?
Existe uma poupança quando compramos bens duráveis (denominados bens de equipamento ou de capital).
Por exemplo, compramos um frigorífico por 500€ que dura 10 anos. Então, no ano da compra consumimos em "serviços do frigorífico" 50€ e poupamos 450€. Em cada um dos 9 anos seguintes consumimos 50€ em "serviços do frigorífico".
Também existe poupança quando constituímos um stock de bens de consumo.
Finalmente, existe poupança quando aumentamos o nosso saldo no livro (quando aumentamos o nosso saldo bancário).
Para que exista poupança no livro.
Para que exista poupança na economia, o banco tem que constituir um stock, comprar bens de equipamento ou emprestar o nosso activo a alguém que o faça.
O saldo no livro não é, em si, uma poupança.
Se o Pereira emprestar o dinheiro a alguém que compra e consume os bens, na economia não haverá poupança.
Vamos ficar velhinhos.
No futuro todos vamos ficar velhinhos e sem capacidade para trabalhar.
Agora que somos produtivos, temos que poupar porque especulamos que no futuro ainda vamos estar vivos precisando de comer sem termos rendimentos.
Fig. 1 - Amo tanto a minha mulher que, para a poupar para quando for velhinho, carimbo esta
Podemos ter um desastre.
Podemos perder o emprego (e ficamos sem rendimento), termos um acidente automóvel (e temos uma despesa não antecipada). Podemos ainda ficar doentes (sem puder trabalhar perdendo o salário).
Ao especular que existem estes riscos, pomos de lado uns activos.
Queremos comprar no futuro algo muito dispendioso.
Queremos comprar um bom carro ou uma casa e precisamos de ir juntando dinheiro para depois podermos fazer esta compra.
O negócio do Pereira, o cantineiro, tem-se expandido.
O Pereira fornece um leque reduzido de serviços bancários (depósitos, transferências e algum crédito) mas, por serem serviços imprescindíveis, tem cada vez tem mais clientes.
Os serviços do Pereira são "criação de dinheiro".
O saldo do livro foi crescendo e, de forma correspondente, a mercadoria no armazém. Mas o Pereira começou a ver que o armazém já tinha coisas de mais.
Então, há uns anos, decidiu abrir conta no Entreposto da Cidade.
Quando o fazendeiro "Costa" (que tinha um saldo no Entreposto de 250000$00") mandou abrir conta ao Pereira para pagar 10 contratas, o entreposto lançou no livro:
"Pereira, 10 contratas x 1000$00 = +10000$00, Saldo = +10000$00"
"Costa, 10 contratas x 1000$00 = - 10000$00, Saldo = +240000$00"
Depois, quando o Pereira mandou carregar 100 sacas de farinha, o Entreposto lançou no livro:
"Pereira, 100 sacas farinha x 10$00 = -1000$00, Saldo = +239000$00"
Neste momento o Pereira tem um saldo de 5 000 000$00 no livro do Entreposto que pertence, indirectamente, aos seus clientes.
E se houver uma cheia.
Os clientes do Pereira poupam principalmente porque a aldeia é no Vale do Zambeze que tem risco de cheia.
No passado ficavam na miséria e muitos morriam no ano seguinte de fome.
Agora o Pereira arranjou uma maneira de resolver o problema.
Como o saldo do livro não está todo materializado em mercadorias no armazém mas antes no livro do Entreposto, havendo uma cheia, parte dos saldos está a salvo.
Aqui entra o seguro e a diversificação do risco.
Ao ter saldo no livro do Entreposto, o Pereira tem grande parte das poupanças dos seus clientes a salvo dos problemas locais. Uma cheia, uma guerra, uma doença, uma seca ou uma calamidade qualquer.
Como na Cidade não há cheias, quando acontece qualquer problema o Pereira repõe as mercadorias no seu armazém e salva a situação.
Nessa altura já os clientes podem usar o saldo para refazer as cubatas, repor o gado morto e comprar farinha para se sustentarem até terem novas culturas.
Haverá perdas, mesmo o Pereira perderá tudo o que tem em armazém, mas uma parte substancial da poupança está segura.
Mas o Pereira tem que evitar ter perdas pois, caso contrário, com o tempo vai à falência.
E se o Pereira for à falência?
Será uma tragédia.
Mas os clientes do Pereira não têm capacidade de diversificar o risco de cheia pois não têm volume de negócio que permita ter conta no livro de Entreposto.
Então, os clientes preferem que o Pereira cobre uma margem pelos seus serviços e tenha lucro a haver um risco de ir falência.
O Pereira, para seu bem e dos seus clientes, vai cobrar 1% em cada movimento para cobrir os riscos do negócio.
Uma contrata passará a ser lançada
"Joaquim, contrata = +1000$00, seguro = - 10$00, Saldo = + 980$00"
Uma transferência (seguro pelo mandante) será
"
Manuela, Trans J = -500$00, seguro = - 5$00, Saldo = + 480$00"
"Jozefa, Trans M = +500$00, seguro = 0$00, Saldo = + 500$00"
Fig. 2 - "Pagar as dívidas é uma coisa de crianças" (Sócrates, o Caloteiro)
É o risco a principal razão para existir Spread na intermediação bancária.
Se nós emprestarmos os nossos activos a alguém, corremos grande risco de os perdermos pois a maioria das pessoas é caloteira. e os depositantes não querem risco.
O Banco especializou-se em avaliar a capacidade das pessoas pagarem o que devem. Por outro lado, têm serviços jurídicos que penhoram os bens das pessoas devedores.
Então, nós emprestamos os nossos activos ao banco a 2%/ano (denomina-se taxa passiva) e ele empresta-os a outras pessoas a 5%/ano (denomina-se taxa activa).
É a margem do banco, o Spread.
Se o banco não executar os caloteiros, nós perdemos os nossos depósitos.
Fig. 3 - O banqueiro persegue os seus devedores a mando dos seus depositantes.
O que paga o Spread.
1. Cobre o risco de o devedor não pagar. Todos os anos o banco tem que guardar parte do Spread para cobrir a eventualidade de um devedor falhar.
2. Cobre as despesas de funcionamento. Os funcionários, a electricidade, as rendas dos imóveis, etc. têm custos que têm que ser pagos pelos clientes do banco.
3. Depois fica o lucro para remunerar o capital.
O negócio bancário é de muito elevado risco porque emprestam dinheiro a 50 anos sobre casas em que há grande probabilidade de os devedores ficarem desempregados e o valor das casas cair drasticamente.
Emprestam a empresas que abrem falência à força toda.
Emprestam ao Estado Português que está em bancarrota.
Mas os depositantes querem ter a certeza que o banco nunca abre falência.
Então, o Banqueiro tem que ter 10% (mais ou menos) do total de depósitos em capitais próprio. Se alguém não pagar, paga o Banqueiro do seu capital.
Isto é muito dinheiro, por exemplo, o BCP tem 6500 milhões de Euros de capital e ainda tem que o reforçar.
O capital do banco é capital produtivo.
As pessoas pensam que o capital que o Banqueiro tem são notas mas não é assim.
Esse capital está materializado em máquinas nas fábricas, televisores nas casas das pessoas, carros, camiões, pontes, estradas, hospitais, etc.
O Banqueiro ao emprestar a uma empresa para ela comprar uma máquina é, em termos económicos, o dono da máquina.
Em termos contabilísticos é apenas dono do dinheiro, mas isso é um artificio da contabilidade.
É como ter 1000$00 no livro. De facto, o cliente tem sacas de farinha e litros de óleo no armazém.
O Sérgio (e a maioria das pessoas)
Pensa que os bancos não produzem nada e, mesmo assim, têm "mais lucro que quem realmente produz ou cria riqueza palpável através de produção de bens e serviços".
Mas, em termos económicos, os meios de produção são, em parte, do Banqueiro e, noutra parte, dos depositantes do banco.
Na economia, considerando todas as máquinas e todo o capital, em média, 20% pertence aos empresários, 8% pertence aos banqueiros e 72% pertence aos depositantes.
Do total dos lucros da economia, 8% tem que ir para os bancos.
Quanto maior o lucro do banco, melhor para os depositantes.
O capital, para fazer face à inflação e ao risco, tem que ser remunerado a uma taxa de pelo menos 10%/ano. No caso do BCP, são, no mínimo, 650milhões de € por ano.
Se os bancos não tivessem capital, não precisavam ter lucro mas o risco de falência seria muito grande e os depositantes não querem bancos desses.
Um banco que tenha um rácio entre o capital próprio e os depósitos de 10% e um lucro de 10% do capital próprio tem o risco de falir na ordem dos 0.1%/ano.
Se estes rácios começarem a diminuir, o risco de perdermos os nossos depósitos começa a aumentar.
Se temos os bancos A e B que pagam 2%/ano de juros e têm 10% de capitais próprios. Se o banco A tem 3%/ano de lucro e o banco B tem 13%/ano de lucro, o melhor é termos o nosso dinheiro no banco B.
O banco B tem muito menor risco de vir a falir.
Todos os anos abrem falência muitos bancos.
Nos últimos 20 anos em Portugal faliram as Caixas Agrícolas, o BPP e o BPN (salvo a minha fraca memória).
Se o Banco A oferece 3%/ano e o banco B oferece 2%/ano como remuneração dos depósitos o que está a ser dito é que o risco de o banco A falir durante o próximo ano é mais 1% que o risco do banco B falir.
De facto o banco A não está a pagar mais juros. Nós estamos é a "comprar" um produto com mais risco.
A crise financeira resulta dos bancos terem lucros pequenos.
Ao haver muita concorrência no mercado bancário, os bancos começaram a cativar clientes de elevado risco de se tornarem caloteiros. Isso fez com que os lucros diminuissem o que degradou o seu capital próprio.
Para esconderem que estavam a perder dinheiro, começaram a sobre-avaliar os activos dos seus devedores (as casas). Quando executavam um cliente, rematavam o imóvel pelo valor da dívida, não reconhecendo perdas.
Quando em 2007 surgiu uma crise normal, começou a faltar liquidez e deu-se conta que os bancos não tinham em "armazém mercadoria suficiente para pagar o saldo dos livros".
Começaram a falir em catadupa. E continuam.
A dívida pública
A dívida pública alemã para contratos a 2 anos anda nos 0.4%/ano.
A dívida pública portuguesa para contratos a 2 anos anda nos 20%/ano.
Isto quer dizer que a probabilidade de, nos próximos 2 anos, o Portugal entrar em bancarrota e não pagar nada é de 30%.
Quem comprar 100€ de dívida pública portuguesa a 2 anos pode, por um lado, receber 140.00€ mas, por outro lado, tem 30% de probabilidade de não receber nada.
Quem comprar 100€ de dívida pública alemã a 2 anos vai receber, de certeza, 100.80€.
Agora é uma decisão de cada um mas não pensem que os "especuladores sanguinários" especulam ficar ricos com os títulos da dívida dos caloteiros.
Fig.4 - É como ter uma mulher simpática. Dá-nos a certeza de que não vamos ser corneados.
Como é camarada Louçã? Agora não te interessa falar?
Até a agência de Rating Chinês desceu o Rating da Zona Euro toda.
Então até os chinocas são especuladores sanguinários?
É que já não há tansos em lado nenhum do Planeta Terra.
Pedro Cosme Costa Vieira