A formação de alianças é uma resposta à adversidade do meio ambiente.
Aqueles programas de animais que dá nas TVs às 12h de Domingo são uma aula prática sobre a dinâmica que levou à criação da União Europeia e que justifica a sua existência.
Vemos nesses programas que, quando num território existem leões, os búfalos juntam-se em grandes grupos com os machos do lado de fora protegendo, com uma muralha de cornos afiados, as fêmeas e crias.
Em resposta ao ambiente hostil, os machos abdicam dos seus interesses individuais (comer e ter as fêmeas só para si) e cooperam na defesa da própria vida e da manada.
Quando não existem leões, os búfalos espalham-se pela pradaria e os machos concentram-se nos seus interesses individuais lutando todo tempo com os seus iguais para os atingir.
Porque será que se formam grupos?
Porque o perímetro da circunferência aumenta linearmente enquanto que a área do circulo aumenta ao quadrado. Então, 15 machos formando uma muralha exterior de cornos protegem uma área onde cabem 15 fêmeas (1 fêmea para cada macho) enquanto que 30 machos protegem uma área onde cabem 60 fêmeas (4 fêmeas para cada macho).
Se, em condições adversas, um macho fica sozinho, é imediatamente submetido pelos leões.
A defesa à adversidade externa é a força que mantém unido o grupo.
Porque se desfazem os grupos?
Pertencer a um grupo também tem um lado negativo pois os indivíduos mais fortes, que poderiam derrotar todos os seus irmãos, têm que partilhar com os mais fracos a erva e as fêmeas.
Então, existe também uma força de repulsão que faz os individuos querer ser independente: a não partilha dos recursos escassos.
É por esta última razão, a partilha do petróleo, que o Kuwait nunca se quis unir ao Iraque.
Fig. 1 - A CEE, no contexto da Guerra Fria, construiu uma muralha de cornos
Como construímos as nossas amizades de infância?
Havia um matulão que queria bater em toda a gente e nós, os fracotes, formávamos um grupo que, pelo número, se tornava mais forte que o matulão individualmente.
As amizades da guerra são das mais fortes que existem porque os soldados, em presença de um ambiente extremamente hostil, têm que formar grupos coesos e desenvolver uma confiança cega nos camaradas.
Por essa razão é que, na Gestão, nos programas de "
Team Building" os indivíduos são colocados em ambientes onde se sintam desconfortáveis.
O tamanho e coesão do grupo é um equilíbrio entre as forças de repulsão e de atracção.
Quando a ameaça externa aumenta, a força de atracção sobrepõe-se à força de repulsão tornando o grupo maior e mais coesa. Quando a ameaça externa diminui, a força de repulsão torna-se dominante e o grupo diminui de dimensão e de intensidade.
Onde esta conversa explica a existência da União Europeia?
Quando a CEE - Comunidade Económica Europeia foi fundada em 1957, vivia-se na Guerra Fria e os países eram muito fechados.
Era muito pequeno o comércio de bens e serviços (as taxas alfandegarias eram muito elevadas).
Não havia mobilidade de pessoas. Os mais velhos recordam que era quase impossível obter um passaporte; que para se ir comprar uns caramelos a Espanha era preciso Visto e éramos revistados à saída e à entrada; que era impossível ir trabalhar para um país estrangeiro.
A situação mais grave foi a construção da "
Cortina de Ferro" para evitar que as pessoas saíssem da Europa de Leste.
Fig. 2 - No pós-WWII, a Europa Ocidental ficou cercada pela ameaça soviética a Leste e a islâmica a Sul
Mas essa fase foi, lentamente ultrapassada tendo a ameaça soviética acabado em 1991 com a queda do muro de Berlim e o comércio internacional no Mundo foi crescendo a uma cadencia constante. De 12% do PIB em 1960, o comercio internacional aumentou até os actuais 27% do PIB (ver, Fig. 3).
Fig. 3 - O comércio internacional tem aumentado 0.32 pp por ano
O comércio internacional é muito importante
Porque permite que os países se especializem nas actividades em que têm vantagens comparativas. Por exemplo, em Portugal importamos algodão que usamos na tecelagem de lençóis que exportamos com lucro. Como o nosso clima não permite cultivar algodão, se não houvesse comércio internacional não poderíamos produzir e exportar têxteis e vestuário.
O comércio internacional da União Europeia tem aumentado mas ...
Mas esse aumento está paralelo com a média mundial. Assim, não resulta directamente do processo de integração europeia mas antes de cada vez mais países tomarem consciência de que a abertura das economias, as exportações e as importações e a movimentação de capitais, pessoas e ideias, é um factor muito importante do seu desenvolvimento.
Essa tomada de consciência levou a que, de um mínimo de 13 países em 1949 e apenas 26 em 1961 (no
GATT), actualmente já façam parte da
OMC - Organização Mundial do Comércio 156 países.
Actualmente, até Cuba e o Zimbabwé acham vantajoso pertencer à OMC.
O crescimento do comércio internacional que se observou no interior da União Europeia (de 20% do PIB em 1960 para os actuais 40% do PIB) está em paralelo com o que se tem observado na média do Mundo (ver, Fig. 4).
Fig. 4 - O comércio internacional nos países da UE e no Mundo (dados:
Banco Mundial, grafismo do autor)
E até houve zonas do Mundo, fora da UE, onde o crescimento do comercio internacional foi muito superior. Por exemplo, a China e a Índia aumentaram o comércio internacional de cerca de 3.5% do PIB em 1970 para cerca de 30% do PIB actualmente (+ 0.6 pp/ano).
Por contrário, o Brasil mantém-se uma economia muito fechada tendo apenas subido de 7% do PIB (nos anos 1960) para os actuais 12% do PIB.
Como as ameaças acabaram, vêm ao de cima as forças que afastam os países
A principal força que empurra a UE para a dissolução é as pessoas do Sul da Europa acharem-se com direito a ter o mesmo nível de vida económico das pessoas do Norte da Europa e os do Norte da Europa não estarem disponíveis a transferir parte do seu rendimento para que essa ideia se materialize.
Quando havia a ameaça soviética, a Alemanha via essas transferencias como o "preço da paz". Agora que a Rússia se tornou um país quase normal, acabou a necessidade de pagar por uma coisa que está naturalmente garantida.
Os países do Norte da Europa não estão mais disponíveis para ajudar ao sustento dos do Sul pois têm o guarda chuva da Organização Mundial do Comercio, a ameaça da União Soviética acabou e a ameaça islâmica não se está a mostrar perigosa (e afecta mais os países do Sul que lhe estão mais próximos).
A tese de termos direito ao mesmo que os alemães é perigosíssima porque parece justa.
Porque diabo não podem os portugueses ter o mesmo rendimento que os alemães se somos todos feitos de carne e osso e até trabalhamos mais horas?
Vejamos com uma comparação como esta tese é perigosa.
Imagine que os habitantes da Quinta do Mocho (um bairro de Sacavém, Lisboa onde a generalidade das pessoas é pobre, tipo favelados do Brasil), se achavam com o direito de viver tão bem como os do Restelo (bairro fino de Lisboa) tendo as mesmas casas, os mesmos carros, passar férias nos mesmos sítios, etc.
Como é que isto se iria fazer?
Só se fosse com um generoso subsídio para a maioria das pessoas que vive no mocho pago com um pesado imposto sobre as que vivem no Restelo.
Caso contrário, os do Mocho dariam cabo do Restelo.
Fig. 5 - Moleque de favela já nasce com cara de marginal.
Agora vemos que o argumento da igualdade Norte-Sul não tem lógica.
À escala da Europa passa-se o mesmo não sendo possível acabar com as diferenças que existem entre o Norte e o Sul.
Viver na Europa do Sul tem vantagens (clima, vida relaxada) e inconvenientes (menor produtividade) não sendo possível manter as vantagens e exigir a anulação dos inconvenientes.
Por contrapartida, os Alemães quereriam o clima e o relaxe do Sul da Europa.
Isso só aconteceria se os alemães fossem viver para o Sul e todos fossem trabalhar para a Alemanha.
Isso não é fisicamente possível.
Mas subsistem algumas ameaças.
Como já não podemos justificar a existência da Zona Euro (e, em última análise, da UE) e as consequentes transferências de recursos do Norte para o Sul com as vantágens internas e ameaças externas, queremos justificar a sua existência com as ameaças internas, com o cataclismo do seu fim.
Todos rezamos para que a dissolução da Zona Euro e da União Europeia cause um prejuízo terrível principalmente à Alemanha e demais países do Norte.
É quase como os suicidas que procuram, com a sua explosão, causar no inimigo mais do que um morto.
Se ouvirmos o discurso dos esquerdistas, vai ser terrível porque a Alemanha não terá para onde exportar os seus Mercedes.
Mas isso é tudo mentira
Uma União Europeia em que cada país mantem as suas contas equilibradas é um factor de progresso da Alemanha mas tem que ser pesado o custo que a UE tem ao contribuente alemão e o benefício comercial que daí retira.
Neste momento, os custos estão maiores que os benefícios.
Fig. 6 - Amor, fiz 5 operações plásticas para ficar mais elegante. Acreditas?
Nós não só importamos da Alemanha como também exportamos para lá.
Portugal exporta 500 milhões de euros de bens para a Alemanha onde os automóveis têm um peso de 30%.
E será mais difícil para os países do Sul da Europa competir no mercado mundial que à Alemanha.
Fig. 7 - Importações e Exportações para a Alemanha (dados: INE, grafismo do autor)
Fig. 8 - Por cada euro que importamos da alemanha, exportamos 0.90€ (dados: INE, grafismo do autor)
Acabado ou reduzido o projecto União Europeia, continuaremos todos sob o guarda-chuva da OMC.
E manter-se-ão os acórdos multilaterais enquanto forem do interesse mútuo dos países onde se inclui, por exemplo, o FMI e a Interpol.
Estando a aumentar as forças de divisão (o custo de manutenção) e a diminuir as forças de união (os ganhos do comercio e as ameaças externas), é de prever que a UE vá diminuindo de intensidade transformando-se, a média prazo, em algo parecido com o
MERCOSUR, depois a uma associação do tipo dos
PALOPs e, finalmente, à nossa "mais velha associação do mundo" com a Inglaterra (transforma-se em nada).
Fig. final - Do quarto do hotel onde estou de férias vê-se Manhattan. Vamos amor, cansar.
Pedro Cosme Costa Vieira