domingo, 23 de outubro de 2011

Quem terá razão, o Cavaco ou o Passos?

O Pedro Passos Coelho decidiu baixar os salários da Função Pública dizendo que "ganham mais que a média" e o Cavaco veio dizer que isso violava o Princípio da Equidade.
O Cavaco é professor catedrático de economia e o Passos foi um fracote aluno de economia, pós-laboral e num "curso para adultos". No entanto, neste caso é o Passos que tem razão.
Para vos explicar porque a razão está do lado do Passos, preciso apresentar um dos grandes teoremas da Teoria Económica.

Fig.1 - Nós que vemos, sabemos que este abraço foi pertinente mas quem decide na ignorância corre grande risco de se enganar. Podia estar a abraçar um motoqueiro de bigode.

A Teoria Económica por trás da discussão
A determinação do "preço de venda"
Existem duas formas de determinar o preço de venda de um bem. Por um lado, há o custo médio de produção e, por outro lado, há o preço de mercado.
No caso do trabalho, a análise pelo "custo médio" é difícil. Podemos facilmente determinar o custo necessário para uma pessoa poder trabalhar (transportes, roupa, alimentação, etc.) mas é muito difícil medir o sacrifício de ir trabalhar (levantar-se cedo, deixar de ir para o café todo o dia, estar longe da família, aturar o patrão, etc.).

1. O custo de produção
Os esquerdistas privilegiam o custo médio de produção como forma de determinar o preço de venda. É o principio marxista do "valor trabalho".
Contabilizamos as quantidade de matérias-primas, produtos intermédios, horas de máquinas e ferramentas (bens de capital) e as horas de trabalho usados no fabrico. Depois, multiplicamos as quantidades pelos preços e obtemos o custo de fabrico.
O preço de venda será o custo médio de fabrico.
As empresas, apesar de não saírem de nenhum filme marxista, usam esta técnica para dar um preço aos bens e serviços produzidos internamente. É a Contabilidade de Custos (o mais fino é chamar-lhe Contabilidade Analítica).

2. O preço de mercado
Os direitistas defendem o preço de mercado como forma de determinar o preço de venda. É o principio liberal do "deixar fazer, deixar passar, desenrasca-te". A liberdade de cada um decidir o que produzir e  vender onde bem o entender e pelo preço que puder.
Nós que fornecemos trabalho temos a liberdade de escolher a profissão que quisermos, trabalhar onde quisermos e cobrar o que entendermos.
Na ex-URSS, o Estado tinha um grande peso na tomada de decisão da profissão que as pessoas poderiam exercer. Era como no exército.
Claro que estamos restringidos às decisões dos outros.


No mercado, os compradores encontram-se com vendedores.
Os vendedores procuram o preço máximo e os compradores o preço mínimo.

As diferenças.
Com "preço de mercado", se um produtor conseguir melhorar o processo produtivo passando a produzir abaixo do preço então, terá lucro. Se produzir a um custo acima do preço de mercado, terá prejuízo.
Com o "custo de produção", se um produtor conseguir melhorar o processo produtivo passando a produzir abaixo do preço então, o "regulador" baixa o preço de venda. Se produzir a um custo acima do preço, o "regulador" sobe o preço de venda.
É o que se passa com a água e a electricidade: se custar mais produzir porque eles são ineficientes, sobem-se as tarifas.
O "preço de mercado" incentiva a que o produtor se torne eficiente enquanto que o "custo de produção" não.
Há ainda a dificuldade de avaliar o custo de produção.

Em concorrência perfeita.
Quando temos um mercado em concorrência perfeita (com muitos vendedores e  compradores em que cada agente económico representa uma pequena percentagem desse mercado), em concorrência e equilíbrio de longo prazo o preço de mercado é igual ao custo médio de produção.
Este teorema é um dos mais importantes da teoria económica.
Não é preciso gastar tempo a ver quanto custa produzir maçãs bastando ir ao mercado e ver qual o seu preço.
Não vale a pena grandes auditorias às contas do BCP para ver as imparidades pois basta ir ao mercado e ver que as acções que em termos contabilísticos valem 1€, estão a ser vendidas por 0.16€.

Onde o Pedro tem razão.
O Pedro acha que os salários dos "empregos privados" são determinados num mercado em "concorrência perfeita em equilíbrio de longo prazo" pelo que traduzem o custo médio de produzir trabalho.
Pensa o Pedro que será injusto diminuir esses salários porque já são iguais ao esforço médio de trabalhar.
Por outro lado, pensa que os salários dos "empregos públicos" não foram determinados no mercado. Por os "trabalhadores públicos" terem muito poder reivindicativo e os governos serem fracos, o salário foi determinado fora do mercado estando acima do "custo médio" de produzir trabalho.
Agora que é preciso fazer alguma coisa para cortar na despesa (e também por uma questão de justiça), é necessário fazer os salários dos "empregos públicos" igualar os salários dos "empregos privados".

Fig. 3 - E, para poupar, é preciso cortar em algum lado.
Por exemplo.
O Pedro deu o exemplo dos transportes públicos. Não encontra nenhuma razão lógica para que um motorista de uma empresa pública de transportes tenha um ordenado superior a um motorista de uma empresa de transportes privada. Como ambos fazem exactamente a mesma coisa, o lógico é que ganhem o exactamente o mesmo.
Parece-me certíssimo.

Outro exemplo.
Quando abre um lugar para um "emprego público" candidatam-se centenas de pessoas. Por exemplo, todos os anos candidatam-se dezenas de milhar de pessoas para meia dúzia de lugares de professor. Isto traduz que o salário é superior ao custo de produzir trabalho. Senão, para uma vaga, haveria um ou dois candidatos.

Onde está o erro do Cavaco.
Está em assumir que o mercado dos "empregos públicos" é concorrencial e que está em equilíbrio de longo prazo. Se assim fosse, o Estado deveria aplicar a receita tanto aos "trabalhadores públicos" como aos "trabalhadores privados", por exemplo, via IRS.

Fig. 4 - Não basta saber o que os livros dizem. É preciso pegar neles e propor uma forma de resolver os problemas que enfrentamos.

3. Uma extensão ao "preço de mercado"
O trabalho não é um bem homogéneo.
Do lado do trabalhador há diferenças na escolaridade, experiência profissional, força física, inteligência, jeito, disponibilidade, idade, sexo, etc.
Do lado do emprego há diferenças no horário, dificuldade técnica, perigo, risco dê despedir, etc.
Como não há um mercado para cada situação (por exemplo, um motorista com 55 anos, 9 ano de escolaridade, 12 anos de experiência, etc. que trabalha numa empresa por turnos, fracota, etc.) então, estende-se o mercado a uma equação homogenizadora:

      Salário = f(características do trabalhador, características do emprego) + e

Isto tem que ser quantificado
Por esta razão é que o Carvalho da Silva veio dizer que "os funcionários públicos ganham mais que a média porque têm mais escolaridade que a média".

É preciso urgentemente que o Banco de Portugal ou o INE, que têm lá milhares de pessoas a "trabalhar", pegue nos dados referentes aos 2 milhões de "trabalhadores privados" e determine a "equação dos salários".
Depois, o Passos terá todas a informação e força política para poder aplicar ao "trabalhadores públicos" os resultados obtidos com os "trabalhadores privados".
E dar uma lição de economia ao Cavaco.

Os consultores fazem benchmarking e re-engenharia.
Esta é para os meus brilhantes alunos, futuros gestores de empresas.
As empresas aprendem pelos preços e produtos que vêm no mercado se são, globalmente, mais ou menos eficientes que a concorrência. Pegam em produtos que vêm à venda mais baratos e melhores que os seus, demontam-nos e tentam aprender como se podem tornar mais eficientes. Isto chama-se re-engenharia.
Como podem outros países mais evoluidos que Portugal viver com menos despesa pública?

Mas, no concreto de cada operação, não é possível retirar informação do mercado.
Por exemplo, sei que um concorrente meu vende o par de sapatos a 5€ e eu não consigo produzir a esse preço. Mas não sei se é por as minhas gaspeadeiras serem lentas ou por o spread que o banco me cobra ser mais elevado.
Os consultores, ao trabalharem com várias empresas do ramo, servem para eu identificar a eficiência de cada actividade não sujeita a concorrência do mercado. Isto chama-se benchmarking.
Apesar de parecer que ter um consultor que trabalha com outras empresas vai revelar segredos do meu negócio, de facto, é um pequeno custo que eu tenho que incorrer para poder utilizar informação agregada (também secreta) das empresas minhas concorrentes.
O consultor diz-me: em média, cada gaspeadeira deveria coser 25 gáspeas por dia e, no seu caso, cosem 27. Logo, não é aqui que está o problema.
Qualquer empresa para ter sucesso tem que fazer re-engenharia e ter um consultou que faça benchmarking.
O mercado é muito grande pelo que eu tenho mais a ganhar que a perder.
Como é a gestão dos transportes públicos noutros países da OCDE em que as empresas públicas não são ruinosas?
Pedro Cosme Costa Vieira

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