Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (47 - A infância)
48 - A apresentação
Naqueles dias que decorreram até à reunião da
confraria onde o Rúben iria apresentar o seu projecto, as ideias foram
evoluindo. Assim sendo, na hora combinada, já estava tudo estudado e pronto a
ser exposto aos confrades. Por ser o presidente da confraria, foi o Alberto que
abriu a reunião.
– Boa noite amigos confrades, como sabem, há umas
dezenas de anos a nossa aldeia que fica na Europa foi destruida, quase todas as
pessoas que lá viviam foram mortas, as casas destruidas de forma que hoje, a nossa
terra é uma sombra do que foi no passado. Agora, os descendentes dos que
tentaram destruir o nosso povo vivem atormentados com esse crime pelo que, para
se tentarem redimir deste crime histórico, aprovaram a Lei do Retorno na qual
reconhecem o direito a todas as pessoas do nosso povo de regressar à aldeia.
Assim, está aberta a possibilidade das pessoas descendentes dos habitantes
originais da nossa aldeia ancestral poderem ir viver para lá, com igualdade de
direitos com as pessoas do Vale. O problema é que, como todos nós sabemos, nascem poucas crianças na nossa comunidade,
não mais de 40 por ano, pelo que, pensando que as crianças continuarão a vir ao
mundo pela decisão dos seus pais, essa lei não terá utilidade prática e que,
portanto, a nossa aldeia ancestral estará definitivamente condenada ao
desaparecimento. Mas, porque há quem pense de forma diferente, o Sr. Rúben e o
Sr. Dr. Cerejeira vão fazer uma pequena apresentação sobre a forma de
transformar esta lei aparentemente inútil numa oportunidade para ressuscitar a
nossa comunidade ancestral.
As pessoas estavam curiosas sobre o que o Sr. Rúben
iria dizer e, por causa dessa curiosidade, a sala estava a rebentar pelas
costuras, com mais de 1000 pessoas, a maior parte de pé, e muitas mais ainda lá
estariam se coubessem. Depois das palmas, fez-se então um silêncio sepucral.
– Boa noite. Como sabem, nasci na aldeia faz muitos e
muitos anos e, por isso, estou a ficar velho e próximo da eternidade. Quando
era criança, a miséria era grande, os ataques eram frequentes, o monte pouco
dava e o foral era elevado mas, pelo menos na minha memória, éramos uma
comunidade viva e onde as pessoas viviam relativamente felizes e com confiançaa certeza de que o
nosso povo perduraria ao longo dos séculos. Mas a tragédia tocou-nos e a grande
maioria das milhares de pessoas que viviam na aldeia, mais de 9000,
desapareceram de um dia para o outro e as casas e tudo o demais foi destruido.
Decorridos estes anos todos há a possibilidade de refazermos aquela comunidade
mas, para isso, temos que arranjar milhares e milhares de pessoas o que parece impossivel já que somos apenas 3000 e
nascem-nos apenas 40 crianças por ano. Como nunca me dei por derrotado, penso
que para grandes problemas temos que encontrar soluções novas e, com esta
máxima, peço-vos que ouçam o que o Sr. Dr. Cerejeira tem para vos dizer sobre
como a medicina nos podem ajudar a trazer a nossa aldeia de volta.
– Boa Noite, eu sou médico e o Sr. Rúben
incumbiu-me de investigar uma forma de, usando as melhores práticas médicas,
propor uma forma de arranjarmos pessoas suficientes para repovoar a nossa
aldeia que fica na Europa sem sobrecarregar as nossas famílias. Imaginando que
cada jovem que for para a aldeia vai ter um filho, a questão a que tenho que
responder é como será possível produzir 4500 jovens. A minha ideia é que esse
número seja distribuido ao longo de 30 anos, numa média de 150 jovens por ano.
Depois de muito discutirmos, existe uma solução técnica perfeitamente testada e
com sucesso garantido que é recolher aqui os gametas dos nossos casais, óvulos
e espermatozoides, implantar os embriões resultantes em mulheres de
substituição que serão contratadas e viverão num pais africano e, depois,
quando tiverem 10 anos de idade, as crianças passarão a viver na nossa aldeia
como filhos adoptivos de um casal, 20 crianças por casal. Como será preciso que
cada um dos nossos casais tenha cerca de 7 crianças, a única coisa que fica em
aberto e para a qual será preciso fazer estudos experimentais, é saber até que
ponto é possível duplicar os ovócitos para conseguir, com uma recolha de
óvulos, atingir as 7 crianças.
Depois do silêncio, explodiu um borburinho
"Mas como será isso possível? Como vai ser possível financiar isso"
ouvia-se de várias partes da sala.
– Bem, como já disse, em termos médicos, é
completamente possível e em termos económicos, o Sr. Rúben vai-vos dizer como
pensa financiar este projecto. Vou então passar a palavra ao Sr. Rúben.
– Obrigado Dr. Alberto, vou então passar à
parte do financiamento. Segundo informação recolhida, o processo médico costará
cerca de 10000€ e sustentar a criança desde que nasce até atingir a maioridade
deve custar 40000€. Assim, serão precisos 50000€ para produzir um jovem. Claro
que, para produzirmos 4500 jovens, serão precisos muitos milhões de euros mas,
pensando que este investimento vai ser distribuido ao longo de algumas dezenas
de anos, será possível arranjar o financiamento necessário. Depois, da mesma
forma que o Sr. Dessilva conseguiu financimento para nossa viagem para cá
porque nos comprometemos a pagar esseinvestimento com o nosso trabalho, estes
50 mil € vão ser amortizados por cada jovem mediante a entrega de 10% do seu
rendimento durante os 50 anos da sua vida activa. Cono todos nós nos
disponibilizamos para pagar a nossa vinda para cá, também os nossos jovens
terão que pagar esses 50 mil € soubendo que esse é o preço de terem sido dados
à vida.
Criou-se novo burburinho na sala.
"Mas as crianças vão ser filhos de quem? Será ético obrigar os jovens a
pagar a sua vida? E se os jovens não quiserem viver na aldeia? E se volta a
aparecer a doença? "
– Calma que eu vou responder a todas as
perguntas.
– As crianças vão ser adoptadas, teremos
que arranjar casais que se voluntariem para viver em África com as crianças,
talvez 20 crianças por casal, para lhes ensinar a nossa língua e serem a ponte
emocional e cultural das crianças com a nossa aldeia. Depois, essas famílias
vão, depois, viver para a aldeia até que as crianças se tornem adultas. Teremos
que discutir se será necessário dizer a cada criança quem são os seus pais
genéticos ou se essa informação se irá perder, havendo apenas uma identificação
de quem é irmão de quem.
– É difícil imaginar como podemos impor a
alguém "Só nasces se pagares 10% do rendimento que vais ter durante a
vida". Mas, por um lado, esta imposição não é nada de novo relativamente
aos pais que têm um filho pensando que este vai cuidar deles durante a velhice.
E quanto à imposição não será algo verdadeiramente obrigatória, mas estou
persuadido que todos os jovens irão pagar a sua parte nos custos de terem sido
dados à vida.
– Os jovens vão viver na nossa aldeia
entre os 10 anos de idade e serem adultos mas a obrigatoriedade para viverem na
aldeia não será total. Penso que, tal como nós temos soudades do local onde
fomos crianças, os nossos jovens vão mater uma ligação com a nossa aldeia mas,
se quiserem vir viver para junto de nós ou para outro local qualquer, não
haverá problema nenhum nisso, continuarão a ser um reforço para que o nosso
povo perdure no tempo.
– Finalmente, se a doença voltar, não vos
vou dizer como o problema poderá ser resolvido mas não podemos deixar de
caminhar porque há o risco de cairmos. Quando uma criança nasce há o risco de
não corresponder ao que os pais anseiam mas isso não pode fazer com que deixem
de ter, de todo, filhos. Vamos indo e vamos vendo.
A discussão continuou até que mais ninguém
quis fazer perguntas.
– Sendo que não há mais questões - disse o Alberto - vou então dar por fechada esta reunião. Agora, cada um de nós vai para casa pensar nesta questão, discutir com os seus familiares as vantagens e inconvenientes deste projecto e, daqui a uma semana, vamos proceder a uma votação em que todas as pessoas se vão pronunciar quanto a avançar ou não com o projecto do Sr. Rúben. No caso de o projecto ser aprovado, daremos então início aos procedimentos para que possamos dar início à produção das crianças.
FIM
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