Terá isto a ver com o Juiz Rui Rangel?
Quando os crimes são criados na lei, o legislador pensa neles de forma individualizada mas os nossos juízes gostam de atacar à molhada.
Um homem mata uma mulher, mete-a debaixo da cama, lava a mãos, escreve um papel a dizer "Adeus, vou-me matar" e foge. Vem logo a cartilha toda.
Homicídio (certo), violação de cadáver (porque moveu o corpo de sítio), falsificação de documentos (porque escreveu a nota e não se suicidou), destruição de provas (porque lavou as mãos), injúria (porque antes deve ter chamado nomes à mulher), violência doméstica (porque o crime foi dentro de casa), fraude junto da Segurança Social (por causa da pensão de viuvez), obstrução à justiça (porque fugiu), roubo (talvez tenha tirado umas moedas do bolso da morta) e lavagem de dinheiro (lavou as moedas que tinham sangue :-).
Eu penso que se isto acabasse, seria bom para toda a gente.
Vamos então ao caso do Juiz Rui Rangel.
Vou falar do eventual caso de ele ter recebido honorários por uns trabalhos que fez em Angola.
Trabalhar não é crime nenhum, abençoado seja quem gosta de trabalhar, mas é um ilícito disciplinar/laboral porque o contrato de juiz obriga a exclusividade.
Naturalmente, o juiz Rangel deveria ter declarado este rendimento ao Fisco mas o problema é que, apesar de se dizer que a informação fiscal é confidencial, mais cedo ou mais tarde, a entidade laboral iria ter acesso à declaração de IRS descobrindo o ilícito disciplinar.
Como não podia declarar este rendimento, caiu na Fraude Fiscal e como teve que fazer uns esquemas para receber a massa, caiu no Branqueamento de Capitais, tudo por culpa da incompetência do legislador!
Para que servem as leis.
Para o bem da sociedade como um todo.
Na "lei da selva" apenas existe a lei do mais forte o que é mau para a sociedade porque o indivíduo não tem incentivos para mostrar toda a sua capacidade.
Então, ao longo da História, foi-se construindo um quadro legal que foi tornando a nossa sociedade mais rica e os indivíduos mais felizes.
O legislador quando está a pensar escrever uma lei tem sempre que ter isto na mente: a lei é para melhorar a vida das pessoas.
A separação dos efeitos das leis.
Nós vemos a América, USA, como uma sociedade atrasada, feita de parolos de que o Trump é o exemplo maior mas não é nada assim.
Eles separam as coisas em "Terrorismo com potencial para causar grande dano à sociedade"; "Crimes"; "Coisas pequenas".
No caso do "Terrorismo" vale tudo, até executar a pessoa com um míssil disparado por um drone. Valem escutas telefónicas ilegais, invasões de propriedade, tudo o que seja mas estas provas só podem ser usadas nisto.
Se, por exemplo, nas escutas ilegais à procura do Bin Laden descobrissem "Foi o Cristiano Ronaldo que matou o Eusébio", essa informação não poderia ser usada, seria pura e simplesmente destruída e ninguém o saberia (lá não há fugas de informação para o Correio da Manhã) nem apareceriam umas "denúncias anónimas" que toda a gente sabe serem os próprios da judiciária a enviar.
Se, acidentalmente, noutra investigação a um homicídio, se descobrisse que o potencial assassino costumava faltar ao trabalho e que alguém usava um dedo falso em látex para marcar a entrada, essa informação nunca seria usada num processo disciplinar laboral, morreria sem ninguém bufar.
Vamos ao caso concreto da Fraude Fiscal.
O juiz receber em Angola por trabalhos que realizou não é crime, apenas a entidade laboral dele não quer que o faça porque pensa que prejudicará o seu desempenho.
O que interessava ao fisco é que ele declarasse esta verba e pagasse IRS. Acontece que, como não existe confidencialidade fiscal, se o juiz declarasse este rendimento e pagasse o correspondente IRS iria sofrer um processo disciplinar.
Como para o fisco o que interessa é o IRS, deveriam garantir a confidencialidade.
Vejamos como.
Nas declarações submetidas eletronicamente, a declaração deveria ter uma parte "aberta" onde o contribuinte iria inserir os seus dados "normais", por exemplo, o juiz declarava que recebeu 76966,40€ de salário, metia as despesas em saúde, etc. e era calculado quanto tinha que pagar de IRS. Ia ao Multibanco e pagava.
Depois, a declaração teria ainda uma parte "fechada" onde seria garantida a total confidencialidade. Neste caso, o juiz declarava ainda que recebeu, vamos supor, 10000€ e seria calculada uma parcela adicional a pagar de IRS, por exemplo 4000€. Ia ao Multibanco e pagava esta verba de forma independente.
Esta informação ficaria confidencial para toda a gente, encriptada com uma chave conhecida apenas pelo declarante. Caso o declarante fosse acusado de Fraude Fiscal, poderia invocar esta declaração "fechada" para se defender.
Mas deveria ser dada total garantia ao declarante que a informação fechada, depois de aberta, jamais poderia ser usada em processo disciplinar (ou outro qualquer).
Não era fazer como fazem ao Sócrates.
Fizeram uma lei em que, no caso da pessoa trazer dinheiro escondido, pagando 7,5%, mais ninguém lhe iria perguntar de onde veio esse dinheiro.
Naturalmente que esta lei foi feita para casos de ilegalidade, dinheiro obtido de forma criminosa mais não fosse o tal crime de fraude fiscal e branqueamento de capitais.
O problema está que, apesar de os 7,5% terem sido pago, veio um juiz alegar que "como a propriedade do dinheiro não é do declarante, a lei não se aplica".
Reparem no contra-senso.
Diz a lei que pagando, ninguém pergunta de onde veio o dinheiro. Agora que foi pago, vem dizer que a lei não se aplica e perguntar ao declarante "de quem é este dinheiro?" Não será isto perguntar ao declarante onde arranjou o dinheiro?
E qual seria a diferença de ser o Sócrates o declarante? Só não foi porque tudo bufa e o homem queria confidencialidade.
Se a lei não se aplica, devolvam os 7,5% e o declarante terá que levar o dinheiro de volta para onde o tinha.
Parece-me lógico.
Eu tiro a roupa mas, depois, não podes perguntar se sou um homem ou mulher.
0 comentários:
Enviar um comentário