quinta-feira, 2 de junho de 2022

O modelo de negócio das apostas desportivas e a falência da Betmarkets.io

Em tempos tive um aluno que teve uma enorme média de curso.

Não interessa o valor, interessa apenas dizer que foi o aluno com melhor média de sempre da faculdade onde eu trabalho. Depois, foi fazer um mestrado no Reino Unido e também teve excelente desempenho académico.

Esse aluno criou uma empresa que tinha como produto um "agregador" de apostas desportivas, acessível no endereço Betmarkets.io.

Quando eu soube do projecto, disse logo "Isso vai falhar porque o produto não cria valor" e foi exactamente isso que aconteceu, falhou com estrondo.

Neste post vamos ver o que é o negócio das apostas desportivas e porque o Betemarkets.io teria mesmo de falhar.

Fig. 1 - É grande mas não deixa de ser um asno


A tecnologia das apostas desportivas.

Uma aposta desportiva é um "jogo de soma nula", isto é, o que um apostador ganha é exactamente o que outro apostador perde.

Vamos supor que o jogo "Benfica-Porto" dá 2€ por cada 1€ apostado (proporção, odds, de 2 para 1). Neste caso, se o apostador A mete 10€ em "O Benfica vai ganhar ao Porto" o apostador B tem de meter 10€ em "O Benfica não vai ganhar ao Porto". Desta forma, se o Benfica ganhar, o apostador A ganha 10€ e o apostador B perde 10€.

A proporção do ganho vai ser determinada pela proporção das apostas. Vamos supor que existem muitos apostadores e que as apostas na "Vitoria" somam 123456€ e as apostas na "Não Vitória" somam 234567€. Como os prémios têm de ser iguais a (123456+234567) =358023€, a proporção terá de ser: 

    Vitória = 358023/123456 =  2,9000

    Não Vitória = 358023/234567 =  1,5263

Um apostador que tenha metido 100€ na "Vitória", caso acerte vai receber 290€. Outro apostador que tenha metido 100€ na "Não Vitória", caso acerte vai receber 152,63€.

Quem não acertar não recebe nada (tem perda total).


Um jogo mais complicado.

Vamso apostar na diferença de golos que pode ficar em >=3; 2; 1; 0; -1; -2; <=-3.

Agora temos 7 hipóteses sendo que as Odds vão garantir que, qualquer que seja o resultado do jogo, o total pago aos apostadores é igual ao total recebido de apostas (3438632€).

Fig. 2 - Exemplo de apostas na diferença de golos num jogo de futebol

No exemplo, as melhores Odds são para um resultado muito desequilibrado a favor do Benfica (porque é improvável) mas esta proporção não é uma previsão de nenhum cartomante mas apenas a razão  entre os valores apostados, 42,213 = 3438732€/81442€.

Quanto mais resultados forem possível, mais improvável é acertar num resultado particular pelo que as Odds serão maiores. Se, por exemplo, o jogo fosse "As diferenças de golos nos jogos Benfica-Porto e Sporting- Braga" já haveria 7 x 7 = 49 resultados possíveis. Por exemplo, apostando 10€ no resultado de 3 ou mais golos de diferença para as equipas de fora e acertando, recebe 8473€ (ver, Fig. 3). 

No exemplo representado na Fig. 3, o que os apostadores acham mais provável (e onde apostam mais dinheiro) são os resultados assinalado a amarelo (e que têm menores odds).

Fig.3 - O apostador tem de acertar em simultâneo na diferença de golos de 2 jogos (a casa cobra 1% de taxa). 


O modelo de negócio da "casa de apostas".

A "casa das apostas" precisa de facturar para viver, o que vai conseguir cobrando uma percentagem  sobre as apostadas, por exemplo, de 1%.

Neste caso, a expressão I2: =SOMA(B2:H2) passará a ser I2: =SOMA(B2:H2)*(1-1%) o que vai diminuir as odds em 1%.


Se a empresa não cria nada, onde está a criação de valor para o apostador?

Está em três lugares.

1) O apostador pensa, erradamente, que tem mais conhecimento do que os demais apostadores, isto é, pensa que consegue "bater o mercado". Seja porque lê muitos jornais desportivos ou apenas porque se pensa mais inteligente do que a média, pensa que está a apostar contra jogadores maioritariamente lorpas e que, por isso, vai conseguir um ganho à custa dos lorpas. 

2) O apostador é fanfarrão, sente necessidade de, no seu circulo de amigos, mostrar que tem valor e vai conseguir isso anunciando ganhos nas apostas de forma entusiasmada. Quando perde, cala-se, "Esta semana não apostei nada".

3) O apostador é amante do risco. Prefere perder 10€ (com probabilidade de 99%) podendo ganhar 990€ (com probabilidade de 1%) a ter 10€ (assumi uma taxa de intermediação de 1%).

E a "casa de apostas" vai-se apropriar de parte deste ganho de valor.


Como funcionava a Betmarkets.io

A) Era um "agregador" de casas de apostas, semelhante ao que faz o skyscanner para as viagens de avião. Observando um leque alargado de "casas de apostas", pagaria a maior proporção encontrada.

Se a "Casa A" propunha 1.98; a "Casa B" 1,93 e a "Casa C" 1,97, seria para a proporção 1,98.

B) Mas o principal "produto" era a replicação da estratégia dos apostadores ganhadores.

Vamos supor que tinha 1000 apostadores, ao fim de algum tempo, uns mostravam ganhos e outros perdas. Um apostador poderia pedir para replicar as apostas de um apostador pagando 20% do que conseguisse ganhar com a replicação.

Vamos supor que o apostador Joaquim foi quem, nos últimos 6 meses, mostrou melhor resultado (por cada 100€ apostados, recebeu 150€). Se eu escolho "nos próximo mês aplica 1000€ e segue o Joaquim", o algoritmo vai fazer, proporcionalmente, as mesmas apostas que o Joaquim e, supondo que no fim do mês tenho 1500€ (ganhei 500€), tenho de pagar 100€.


Problema do "agregador".

Ao escolher a maior proporção para cada um dos resultados possíveis, estatisticamente, o resultado seria de prejuízo.

Individualmente, as "casas de apostas" não têm risco porque o valor que vão pagar é igual ao valor que recebem menos a margem mas, ao considerar sempre o melhor de todas as "casas de apostas", em média, serão sempre pagos mais prémios do que os valores apostados.

Para evitar este prejuízo, seria preciso cobrar uma taxa pelo serviço o que, psicologicamente, seria mal visto pelos apostadores: "Se posso apostar na casa A a 1,98, vou directamente a A e não passo a taxa".


Problema do "seguidor"

É que, nas apostas, ganhar é, em grande parte, resultado da sorte e do azar. Assim, o apostador que foi o mais ganhador nos últimos 6 meses tem quase a mesma probabilidade de perder dinheiro nos próximos 6 meses como  o apostador que foi o mais perdedor nos últimos 6 meses.

Além disso, havendo muitas pessoas a replicar a aposta do apostador A, motivado pela forma como as odds são calculadas (em concorrência com os outros que perdem), degrada os potenciais ganhos de A, causando-lhe um prejuízo não compensado e tornando a sua estratégia, mesmo que melhor informada, perdedora.


Não há nenhuma aposta que seja melhor do que a outra.

Voltemos à Fig.2.

Apostar no resultado ">=3" e perder não é "menos inteligente" do que apostar "-1" e ganhar pois a improbabilidade do resultado ">=3" é compensado com odds muito superiores. Desta forma, meter o dinheiro em qualquer das opções demonstra a mesma racionalidade, sendo o resultado final, falhou ou perdeu, apenas o resultado da sorte e do azar.


Há aqui um problema qualquer.

De um aluno considerado brilhantíssimo pela academia resultou uma ideia de negócio totalmente errada e tola.

Isto traduz que i) o que lhe foi ensinado não foi adequado e ii) o sistema de classificação da academia está errado.


Uma vez chamei-o à atenção.

Eu ensinava "computadores" e obrigava os alunos a irem às aulas (assinavam o nome numa folha). Claro que nunca ia ver as assinatura ou controlar quem ia às aulas, sendo apenas uma tentativa para que os alunos não se perdessem nas noitadas.

Quando houve o primeiro teste e esse aluno teve 20 valores, fui ver a fotografia. Reparei depois que, apesar de não estar na aula, a assinatura aparecia na folha!!!!!

Um dia ele apareceu e eu, em tom descontraído disse "Interessante que nas últimas aulas não apareceste mas a tua assinatura está na folha".

Tratou-me mal, só faltando dizer "as suas aulas apenas servem para perder tempo".

Digamos que as notas funcionavam como reforço da sobranceria, pensando que era mais inteligente que todos os outros, que tinha o rei na barriga.

Pessoas "reforçadas" não aceitam ideias diferentes só se rodeando por bajuladores e lambe botas. E isso leva ao fracasso pois se não conseguirmos, com argumentos, convencer os outros de que a nossa ideia está correcta, é porque está errada.

É muito o que acontece no nosso Portugal!

O coitado estragou a vida dele pois o dinheiro dos apostadores desapareceu!!!!!!

Afinal, era um esquema de ponzi!!!!!!!


Finalmente, continuo com a trotineta.

Já fiz 512 km por ciclovias, estradas secundárias, estradas de terra batida, estradas nacionais e vias rápidas.

Como já referi, as características da trotineta não são as anunciadas (tem menos potência, menos autonomia, menos bateria, menos velocidade) mas foi relativamente barata e tem-se aguentado bem.

O que gosto mais é da liberdade de violar as leis da estrada!!!!!!

Vou contra-a-mão, passo nos vermelhos, subo passeios, atravesso a relva dos parques, sempre a andar.

E os condutores de carro têm-se mostrado muito respeitadores.

O problema são as trepidações, os paralelos que os "camaristas" insistem a meter nas zonas de baixa velocidade para os carros.

Fig. 4 - O empedrado liquefaz os miolos



1 comentários:

Xantipa disse...

Muito bom!

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