organizou uma conferencia para tentar-se prever como será o mundo daqui a 100 anos.
Estavam lá pessoas importantes com, por exemplo, um ex-presidente da república português e outro brasileira, mas as ideias que apresentaram foram muito pobresinhas. Falaram do presente e mal.
O problema do debate é que o futuro não se prevê mas constroem-se o que faz com que as únicas pessoas que conseguem dizer algo sobre o futuro são os escritores de ficção.
Primeiro, alguém escreve um romance sobre um futuro longínquo onde coisas hoje impensáveis vão ser realidade. Depois, pela positiva (vamos fazer isto) ou pela negativa (isto nunca poderá acontecer) as pessoas vão-se esforçar para que o futuro aconteça.
Houve grandes nomes mas um dos mais importantes foi George Orwell com os seus Triunfo dos Porcos (1945, uma sociedade totalitária nascida da boa ideia de que, no futuro, seremos todos iguais) e 1984 (1949, outra sociedade totalitária nascida da ideia de que a informação irá acabar com todos os problemas do Mundo).
Se hoje existem limitações à recolha generalizada de imagens em espaço público, tal deve-se ao George.
Será o Futuro sair do caminho que estamos a trilhar ou seguir em frente?
Mas será que, nos próximos 100 anos o Mundo vai mudar assim tanto?
O problema é esse, é que ninguém prevê que aconteçam mudanças radicais.
Olhemos para há 100 anos, para 1915. É certo que estávamos a sair da Grande Guerra, havia fome generalizada pelo mundo, já circulavam automóveis pelas nossas estradas, os aviões davam os primeiros passos, o telégrafo era o único meio de comunicação rápida à distância, não havia auto-estradas nem televisão, morriam muitas crianças, mas, de facto, apesar de ter havido mudanças quantitativas muito importantes, em termos qualitativos, a vida não era diferente da que é agora.
Já naquele tempo as pessoas sofriam de neura, tinham problemas com os colegas de trabalho, os comunas queriam tomar o poder, havia necessidade de pagar impostos e as mulheres queixavam-se repetidamente de dores de cabeça.
Se o futuro do Mundo não for construido, ficará exatamente igual ao Presente, não faz sentido chamar pessoas intelectualmente limitadas para nos indicar o caminho pelo qual podemos ir.
Como já escrevi um livro de ficção, vou poder avançar alguns pontos onde penso que haverá pequenas mudanças.
Já D. Mafalda dizia ao D. Afonso Henriques que lhe doía a cabeça e assim será daqui a 100 anos.
A procriação.
Nesse meu romance proponho que, como no futuro ninguém vai querer ter filhos, a comunidade terá que criar pessoas, como já previsto no Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, 1932, num processo industrial. A questão que levanto é diferente da de Huxley porque me concentro na questão dos direitos de quem ainda não existe, da questão ética de ser imposto um contrato, com direitos e obrigações, a quem ainda não nasceu e que não nascerá se esse contrato não for "assinado" em nome da futura pessoa. Quais são as condições que é aceitável impor a quem ainda não nasceu?
Em 50 anos, no Mundo o número de filhos por mulher desceu 50% e, no caso português, a redução foi ainda maior, de 60%.
O aquecimento global.
Não quero saber se o planeta está a aquecer ou a arrefecer, se o Mar vai subir ou descer pois tudo serão oportunidades para uns e ameaças para outros. Por exemplo, foi o final da última glaciação (a Wurm) que aconteceu há 18 mil anos que a humanidade (o homo sapiens, nós) conseguiu suplantar o Homo Deardenthal e pode, assim, invadir a Europa. Depois de 50 mil anos em que o clima foi altamente frio, em que a maior parte da América do Norte e da Europa estava coberta por milhares de metros de neve, incluindo Portugal, o gelo foi-se embora e o nível dos oceanos subiu 100 metros.
Esse aquecimento generalizado inundou o que hoje é a Grande Barreira de Coral (nas costas da Austrália) e tornou a Inglaterra uma ilha.
Há 5,6 milhões de anos, o Mediterrâneo chegou mesmo a secar! e tudo continuou como se nada tivesse acontecido (
MSC).
Assim, se o mundo aquecer mesmo que sejam 10ºC, não é por isso que a humanidade se vai extinguir.
E a extinção das espécies?
Isto é uma discussão importante.
Todos os seres vivos têm por base informação genética. Mas, estranhamente, cada espécie não tem um conjunto único de genes mas apenas uma combinação particular.
Assim, os genes que eu tenho e que me programam para que eu seja como sou, existem espalhados um pouco pelos outros seres vivos mas em combinações diferentes.
Por exemplo, hoje falamos muito da extinção K-Pg de há 65 milhões de anos onde 3/4 das espécies de plantas e animais desapareceram, incluindo os dinausauros mas, primeiro, foi esta extinção que permitiu o aparecimento dos mamíferos onde nos incluímos e, segundo, as plantas e os animais representam uma pequena fração das espécies vivas (e que são depositárias de quase todos os genes criados ao longo de milhares de milhões de anos) pelo que a recombinação dos genes deu origem a outras espécies de plantas e de animais.
Mesmo que 99% das espécies de plantas e animais que conhecemos desaparecessem da face da Terra, pelo menos 99,99% dos genes sobreviveria pelo que, rapidamente (em menos de 100 milhões de anos), novas espécies complexas tomariam o lugar das extintas.
O Mediterrâneo secou há 5,6 milhões de anos!
A passagem de Gibraltar fechou e o Mediterrâneo secou, descendo o seu nível 4000m (
MSC).
E este grave acidente deu origem a uma cadência de acontecimentos que, algures na África Austral, fez com que alguns macacos se tenham tornado mais espertos e transformado em hominídeos.
Talvez!
A energia.
O que me "preocupa" é que o nível de vida está muito dependente do acesso barato a energia. Aos preços actuais, cada habitante da Terra consome uma média de 2,3 KW e cresce 1,5%/ano. Se a tendência de crescimento se mantiver, em 2115, cada pessoa irá precisar de 10 KW de energia, cerca de 200000 kcal por dia que equivale a 50 kg de madeira por ano.
O efeito fotovoltaico.
A capacidade dos fotões criarem um corrente elétrica foi primeiro observada em 1839 (por Becquerel que construiu a primeira célula solar), foi teorizado em 2005 (por Einstein, de que resultou ganhar o Prémio Nobel de 1923) e, até aos anos 1950, não passou de uma curiosidade científica.
Em 1992 a potência instalada atingiu 100 MW (o equivalente à potência nominal de 1/10 de uma central nuclear) e, desde então, tem multiplicado por 10 a cada 7 anos, estando actualmente em 233 000MW (o equivalente à potência nominal de 250 centrais nucleares).
A boa notícia é que, segunda uma lei empírica, cada vez que a potencia instalada aumenta 1000 vezes, o custo diminui 10 vezes (Lei de Swanson).
A boa notícia é quem juntando as duas tendências, vemos que o custo das células fotovoltaicas diminui cerca de 8%/ano, a má notícia, é que, além da células fotovoltaicas, existem outros custos que não diminuem assim tão depressa.
Claro que o problema da potencia instalada solar é que, em média, só há 6 horas de luz solar por dia e o rendimento da transformação anda nos 10% pelo que dos 233 00MW resultam apenas o equivalente a 5 centrais nucleares.
Façamos umas contas.
A luz solar tem 1,0kwh/m2 de potencia. Com um rendimento de 10% e 6h de luz por dia, daqui a 100 anos serão precisos 400m2 de painéis solares por cada pessoa então vivente.
Como os painéis têm espaço entre eles para a sombra, apontemos para 800 m2/pessoa
Se, nesse tempo, houver a mesma população que agora, 7300 milhões de pessoas, haverá necessidade de 3 milhões de km2 de painéis solares dispostos num território com 6 milhões km2.
Uma Europa Ocidental com 730 milhões de pessoas precisará de uma área de 600 mil km2, menos de 10% da área do Deserto do Saara.
Nada do que eu disse é radicalmente diferente do que conhecemos.
Daqui a 100 anos, as pessoas continuarão a andar de automóvel, a viajar em aviões Airbus e Boeing, a beber Coca Cola e Pepsi, continuará a haver Vinho do Porto, Queijo Camamberg, controle do álcool, fumadores, drogados e as mulheres continuarão a tomar aspirina para aplacar as dores de cabeça.
Vamos imaginar que qualquer um de nós tinha a capacidade para adormecer hoje e acordar daqui a 100 anos. Passado um mês, já nem dávamos conta das mudanças que tinham acontecido entre 2015 e 2115.
Ou será que a minha imaginação é fracota?
Pensando melhor, provavelmente, em 2115 as mulheres boas vão ter este aspecto!
Pedro Cosme Vieira