quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Colapso da Intel - Pedir a reindustrialização é apelativo mas leva à pobreza

Em 2020, a Intel cotava a 55USD e hoje cota abaixo de 20USD.

Em 3 anos a Intel perdeu 64% do seu valor o que é contrário ao senso comum de que a explosão nas compras de sistemas de AI iria levar a Intel a valorizar-se. Mas aconteceu que em 2020 a Intel tomou uma decisão estratégica que os políticos anunciam e financiam e que parece verdadeira mas que está completamente errada.

Essa decisão estratégica chama-se "reindustrialização".



Vamos a um pouco de história.
A Intel apareceu em 1968, desenhando e construindo processadores.
A AMD apareceu em 1969 e a Apple em 1976, apenas desenhando processadores.
Imaginemos que a Tesla apenas desenhava desenhava os automóveis eléctricos e que, depois, pedia à Ford ou Toyota para lhes construir os automóveis.
É intuitivo que as empresas que desenham e produzem os bens, isto é, estão verticalmente integrados,  têm vantagem face às outras empresas e assim foi até que surgiu a TSMC.


Morris Chang nasceu na China em 1931 e tornou-se americano em 1962.
Trabalhou 25 anos na Texas Instrument e reformou-se em 1985.
Vendo o seu valor, o governo de Taiwan contratou-o para pensar formas de desenvolver o território.
É assim que surge em 1987 a TSMC - Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, uma parceria entre a empresa holandesa Phillips, com 27.6% pela transferência de conhecimento, e o estado de Taiwan, com 48,3% pela injecção de capital e e financiamento.
Vendo Chang a dificuldade da Apple e da AMD em arranjar quem lhes produzisse os chips, decidir que havia espaço para uma empresa totalmente industrial, não integrada verticalmente, e que apenas produzisse chips. Desta forma, ficaria livre para optimizar o processo produztivo e, assim, passar a ser a líder tecnológica mundial.


O que é a tecnologia de ponta?

Em termos de processadores, é a tecnologia que consegue meter mais transístor em cada milímetro quadrado de silício. Além disso, tem de ser capaz de ter bom rendimento (baixa densidade de erros), baixa resistência eléctrica e suportar elevadas frequências. 

A estratégia do Chang deu frutos.
Em 2006 a TSMC atinge a paridade com a Intel (conseguindo 65nm, 2Mtr/mm2).
Mediante uma parceria com a empresa holandesa ASML (que, por coincidência, é uma spin-off da Philips) que produz ferramentas avançadas para a industria de produção de chips, em 2015 ficou claro que a TSMC estava tecnologicamente à frente da Intel.


Em 2020 a Intel apresentou o Roadmap para se tornar novamente a líder tecnológica.

Pressionado pelo discurso políticos de que a América tem de se reindustrializar, e que também ouvimos em Portugal, a Intel aceitou subsídios estatais para correr atrás da TSMC.

Claro que é intuitivo que a industria tem elevado valor acrescentado e que, portanto, um país para ser rico tem de ter uma industria muito forte.

É intuitivo mas está errado porque a indústria tem baixo valor acrescentado.

Estranhamente, o valor está nos serviços, no desenho das coisas, e não na industria que produz as coisas.



Vejamos um exemplo.

Vou pegar no processador Intel CoreTM i9-14900K que tem um preço de 558€ e ocupa uma área de 257 mm² no node 10nm.

A TSMC cobra cerca de 8000USD por uma bolacha de silício de 300mm no node 10 e tem um rendimento na ordem de 210 chips o que dá 38USD por chip.

 Juntando o empacotamento e o transporte, no preço final do processador, a produção industrial tem um peso de apenas 10% ficando 90% para o design e comercialização.

Se pegarmos no processador Intel Xeon Platinum 8470 produzido no node 7, tem um preço de 9902.54€ na Worten e um custo de produção industrial na ordem dos 200USD, 2% do preço de venda.


A Intel (e a Europa) tem de se concentrar no design e deixar a indústria para quem sabe.

Em 2020 a AMD estava cotada exactamente nos 55USD e hoje está nos 135USD.

Manteve-se no design e valorizou.

A Intel, pensando nos subsídios e no canto da sereia de que a industria é que dá vantagem competitiva, meteu-se na industria e afundou.

Será que ninguém compreende que em Economia o senso comum, normalmente, está errado?


Vou ainda mostrar um gráfico sobre o impacto do Brexit no Reino Unido.

Li um comentário em que alguém, muito educadamente, pediu que eu dissesse alguma coisa sobre o impacto do Brexit. Somando que hoje se vive por lá uma mini-guerra-civil, aqui vou eu.

Fui buscar dados sobre o PIB per capita do UK, USA, Norte da Europa (França + Alemanha + Holanda + Bélgica + Luxemburgo + Áustria), calculei a média de cada série e fiz um gráfico da evolução. 

O UK estão com 79% do PIBpc dos americanos e o Norte da Europa com 72%.

Quanto à evolução, nos últimos 40 anos tem estado tudo mais ou menos igual, um crescimento de 2.1%/ano antes de 2008, uma perda de 10% na crise do subprime e, desde ai, o crescimento reduziu para 1.4%/ano. 

Nos últimos 3 anos, os USA estão a responder melhor à pandemia do Covid-19 e o UK está igual aos países do Norte da Europa.

Não foi a bala de prata que 52% dos votantes tinham esperança mas também não causou o dano que 48% dos votantes tinham receio.

Tudo igual.

A economia tem destas coisas, tirando governos que governam verdadeiramente mal, as forças do equilíbrio tendem a que seja mais importante a proximidade geográfica e cultural do que ter mais ou menos IRC ou mais ou menos incentivos ao arrendamento jovem.

Comparação entre a evolução do PIBpc dos USA, UK e Norte da Europa (dados, Banco Mundial)

1 comentários:

Anónimo disse...

Ótimo resumo sobre o Brexit. Os dados vem ao encontro da minha estimativa. Obrigado pelo esclarecimento.

Mas tenho dúvidas quanto à conclusão. Para tudo estar igual, a evolução económica do UK e dos demais países deveria justapor-se a dos USA. O gráfico demonstra que começam a divergir desde o referendo, que pode não ser a causa única, mas penso ser um sintoma da causa principal. E a situação atual indicia um incremento na divergência.

De facto, a bala de prata revelou-se uma fratuléncia dos 52% de votantes influencisdos pelos vendedores de banha da cobra, com o mau cheiro agora a ser suportado pelos outros 48% dos britânicos, e pelos 100% de europeus. A evolução era totalmente expectável.

É caso de se enviar o seu gráfico aos catalães (sem desconsiderar outras paragens), que andam a fomentar discussões semelhantes. Vão todos ficar muito mais ricos a repor fronteiras, controles aduaneiros e despesas com guardas fiscais, para de seguida, mais pobres, inchar o peito de orgulho patriótico enquanto perseguem alguém a quem atribuir culpas. A mini-guerra civil tem aqui a sua expressão.

Bom trabalho.

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