domingo, 11 de outubro de 2015

45 – A lei do retorno

Crime e Redenção 
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (44 - A destruição)    




45 – A lei do retorno
Quando nesse dia a noite caiu, a aldeia do Monte havia centenas de casas e mais de 9000 pessoas mas, quando se fez novamente dia, as casas e currais estavam arrasadas e as pessoas tinham desaparecido, a maioria morta e incinerada. Naquela manhã parecia que a destruição seria para todo o sempre, que nunca mais haveria condições para que as pessoas pudessem voltar à aldeia mas, com o passar do tempo, talvez porque o massacre tenha sido orquestrado e executado por uma minoria não representativa do que pensavam as pessoas do Vale ou isso não passasse de uma desculpa e tivesse sido apenas o passar do tempo, todo começou a normalizar. Passados apenas alguns meses, quem não conseguiu ou não quis emigrar para a América voltou à aldeia e começou a reconstruir a sua vida.
Passaram-se 10 anos, depois 20, 30 e mais anos e no Vale foi crescendo a consciência de que haveria uma responsabilidade colectiva, mesmo por quem ainda nem era nascido nesse tempo, pelo crime daquela noite. Atendendo a que aquele crime contra a humanidade nunca poderia ter acontecido, ao longo dos anos a autarquia do Vale foi ajudando na reconstrução da aldeia do Monte.
O problema é que a aldeia que outrora era uma comunidade viva, com mil casas lotadas, transformou-se numa garfadinha de pessoas perdida no meio de um monte.
Como fase final da reconciliação com o seu passado, no Vale aprovaram a Lei do Retorno, lei que permite que os descendentes das pessoas que viveram na Aldeia do Monte possam voltar a viver lá em condições de igualdade com as pessoas do Vale, isto é, sem mais perseguições nem necessidade de pagamento do foral.
O mecanismo de naturalização previsto nesta lei á relativamente simples. A primeira condição é que a pessoa fale, mesmo que com dificuldade, a língua dos seus antepassados e, a segunda condição, é que tenha algum documento, mais não seja passado pela confraria americana ou do Monte, a dizer que tem na sua árvore genealógica antepassados nascidos na aldeia do monte.
Quando a notícia da Lei do Retorno chegou ao Monte, as poucas mais de 200 pessoas que lá viviam, ficaram entusiasmadas, viram ali a oportunidade para ressuscitar a comunidade que estava quase morta e, por isso, enviaram-na logo para a confraria americana pensando que muitas pessoas quereriam aproveitar a oportunidade. Mas na América, a lei não foi recebida com muito entusiasmo, é que, por terem passado tantos anos, as pessoas já se sentiam americana até porque a maioria já tinha lá nascido. Quem é que, no seu juízo perfeito, iria querer deixar uma vida confortável na América, os amigos, o emprego e os familiares, para ir viver no meio de um monte qualquer perdido no meio de nenhures? Talvez, no máximo, uma meia dúzia de pessoas idosas com uma nostalgia romântica de voltar ao local da sua origem. No entanto, o tema não deixou de ser central nas conversas.
– Essa lei não vai levar a lado nenhum, a Aldeia do Monte é coisa do passado. É algo que nunca mais pode ser recuperado – disse o Alberto que era o presidente da confraria. Era neto do António Espírito Santo, bisneto do Alberto que o Dessilva, enquanto Abel, tinha matado no cimo do monte com uma facada no coração para poder roubar as ovelhas, crime esse que acabou por dar origem à comunidade que hoje vive na América, e também neto do Levistone pois um filho de Levistone casou com uma filha do António. O segredo de que foi o Newman Dessilva que matou o pai do António ficou com o Jonas, o Dessilva e a Júlia até ao dia em que morreram.
– Tenho que te dar razão, apesar de eu ter muitas ligações à nossa aldeia, de me recordar dos tempos da minha infância, como as coisas estão, a nossa aldeia está condenada ao desaparecimento. Apesar de viverem lá duas centenas de pessoas, se nada for feito de radicalmente diferente, daqui a 20 ou 30 anos não vai lá sobrar ninguém – Disse o Rúben que era a criança filha da Maria José do Zenão que tinha emigrado, primeiro, para Amesterdão onde aprendeu a arte de ourives e, depois, para a América para trabalhar na ourivesaria do tio, o Sr. Jonas.
Depois de o Sr. Jonas morrer, dado que os filhos não se interessavam pelo negócio, a sua quota na ourivesaria ficou para o Rúben.
O Rúben já estava velhote pelo que quem estava na ourivesaria era o seu filho mais novo, o Newman, nome escolhido em homenagem ao Newman Dessilva.
O Rúben por vezes ia à ourivesaria mas, a maior parte dos dias, passava-os na confraria onde encontrava os velhos amigos para conversar e para jogar umas cartas. Hoje de manhã encontrou o Alberto.
– Repare Sr. Rúben, vamos imaginar que a confraria abraça o projecto de refazer a comunidade que existia no dia do massacre, vamos supor que decidimos fazer tudo o que estivesse ao nosso alcance para fazer com que a Aldeia do Monte volte a ter vida, volte a ter milhares de habitantes. O primeiro problema será saber como podemos materializar essa vontade, onde é vamos arranjar as pessoas, de que cartola iremos tirar esses milhares de pessoas!
– Bem Alberto, no meu tempo havia um pouco mais de 9000 pessoas mas penso que não é preciso arranjar essas pessoas de um dia para o outro, sei lá, por exemplo, se fosse ao longo de 30 anos, só seriam precisas 300 pessoas por ano o que já me parece um número muito mais trabalhável.
– E acha que 300 pessoas por ano é um número mais trabalhável? O Sr. Rúben desculpe-me mas não acho um número nada trabalhável. Vamos fazer umas contas simples para o Sr. Rúben ver que esse número é uma enormidade inatingível. Estão registadas na confraria pouco mais de 3000 pessoas e temos uma média de 40 nascimentos por ano. Agora, para podermos arranjar mais 300 pessoas por ano, por cada criança que nasce, terão que nascer mais 7 crianças e meia, digamos que cada um dos nossos casal terá que ter, além dos filhos que já tem, mais 15 crianças! O Sr. Rúben perdoe-me a franqueza, mas isso é totalmente impossível, ninguém vai ter 15 filhos com o objectivo de os enviar para a Europa. Não é de todo possível até porque o nosso problema não é a falta de espaço nem de falta de perspectivas de futuro para as crianças aqui na América, o problema é os pais não quererem ter esses 15 filhos. Não é possível convencer as pessoas a ter 15 filhos além dos que já têm!
– Sim, realmente, dito assim já me parece impossível, obrigaria a que cada casal tivesse 17 ou 18 filhos. Tenho que dar a mão à palmatória, tenho que reconhecer que tal é impossível. E se reduzíssemos esse número para metade? Imaginando que os casais que vão para a aldeia também irão ter filhos, poderíamos enviar apenas 150 pessoas por ano!
– Apenas 150 por ano? Mesmo assim é impossível, não dá, não dá, não vale a pena desenvolver mais essa ideia porque não passa de uma ilusão, o Sr. Rúben desculpe mais uma vez a minha franqueza mas isso é um projecto sem pés nem cabeça, a Aldeia do Monte foi destruída naquela noite e, agora, está condenada à morte lenta mas total, ponto final. Seria preciso cada um dos nossos casais ter 10 filhos para, depois,  mandar a mairia essa aldeia dos nossos antepassados.
– Realmente, dito assim, também já me parece impossível. Mas também parecia impossível quando o Sr. Dessilva disse que 30 casais viriam para a América e, no final, viemos milhares de pessoas.
– Não dá Sr. Rúben, um filho dá muito trabalho a ter e a criar, quanto mais, ter e criar 10.

Capítulo seguinte (46 - A técnica)

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