Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (4 - A preparação)
5 – A casa
O
casebre era pequeno, 9 x 6 m2, com uma parede no sentido transversal
usada para formar a dispensa onde estavam guardados 5 pipos de vinho, a caixa
do pão com uma divisão maior para o milho e outra menor para o feijão e a caixa
da roupa maior, cobertores, mantas e casacos para usar no Inverno. O quadrado
que sobrava do casebre era dividido pela cumeeira numa metade que era a sala e
na outra metade que eram dois quartos onde praticamente só cabiam a cama, uma
caixa pequena para a roupa de vestir e um banco que também servia de mesinha de
cabeceira. A sala tinha uma mesa formada por duas tábuas velhas, dois bancos
corridos e, na parede, uma prateleira onde estava a louça em barro vermelho, seis
pratos, outras tantas malgas e uma travessa, muita dela já costurada com arames
enferrujados.
Fora
da casa havia os anexos feitos em paus atados entre si e emassados com barro e
palha. Eram a retrete, a cozinha e o galinheiro e, depois, a arrecadação para
as batatas, o feno e as alfaias agrícolas e os currais do porco e das ovelhas.
O casebre de um lado e os anexos do outro lado cercavam o pátio que, no seu
conjunto, fazia a casa parecer uma cidadezinha muralhada em que o porteiro, um
cão magro preso por uma corrente, ladrava ruidosamente, fosse dia, fosse noite,
sempre que alguém passava por perto.
A
menina Dulcinha meteu a chave à porta, abriu-a e entrou juntamente com o pai
que levava debaixo do braço a urna com a roupa dentro. Com eles ia a Sra.
Celeste para ajudar a lavar e a vestir a criancinha morta. O ambiente era de grande
pobreza, as paredes escuras de nunca terem visto caiação. A criança estava no
quarto, no seu bercinho de verga, rosadinha como se estivesse viva mas morta
como já seria de esperar pois a Maria Zé não se ia enganar e o Milagre da Ressurreição
do Lázaro só aconteceu uma vez na história bíblica. Logo a seguir chegou o Dr.
Acácio.
–
Bom dia. Está bom, Sr. Costa? Senhora e menina, então o que temos por aqui? – disse
o Dr. Acácio.
–
Sabe Sr. Doutor, é que a criancinha morreu de noite e, como quando morre uma
criança a estes desgraçados aparece sempre o Polícia Vieira, como me pareceu haver
uma certa duvida nas causas da morte, achei melhor chamar o Sr. Doutor. Venha ali
até ao quarto que a criança está lá.
O Dr.
Acácio entrou no quarto – “Mau, a criancinha está rosada o que não é bom sinal,
o Polícia Vieira vai achar estranho uma criança morta estar rosada. Sabe
menina, é que esta cor indica uma intoxicação com fumo o que, no Verão, é
estranho. Vou ter que fazer alguma coisa para disfarçar esta cor de forma a
poder escrever na certidão que morreu de doença gastrointestinal. Sra. Celeste,
se faz favor, venha aqui lavar a criança.”
Com
a criancinha lavada e seca, o Dr. Acácio foi à sua mala preta e tirou um boião
com uma substância de cor escura azulada que parecia graxa para os sapatos. Com
dois dedos foi escurecendo a cara e as mãozinhas da criança. Depois de estar
num tom mais compatível com a morte, limpou as suas mãos com um lenço que
também tirou da mala.
–
Pronto, agora já está com a cor que eu queria, já parece morta. Vamos vestir a
criancinha para eu ver se precisa de mais algum retoque. Sra. Celeste, antes de
virem as pessoas ver a criança defunta é preciso fazer uma desinfecção geral da
casa, pegar nesta roupa toda que teve contacto com a criança e mete-la numa
barrela com lixívia. Não vá o diabo tecê-las, vou também afixar aqui um papel à
porta a dizer que, como a criança morreu de doença contagiosa, os menores de 10
anos não podem entrar na casa. Menina Dulcinha, não se esqueça disto. –
Virando-se para a menina Dulcinha – E o pagamento, está por sua conta Dulcinha?
–
Está sim Sr. doutor – a Dulcinha, tirando do bolso uma pequena carteira, abriu-a
e tirou duas notas de 10€ e outra de 5€ – faça favor Sr. Doutor.
Estando
a certidão passada e o pagamento feito, o Dr. Acácio foi-se embora a pé e
começou imediatamente a limpeza da casa.
– Sra.
Celeste, estou a ouvir o sino da igreja o que indica que o funeral vai ser hoje.
Tenho que ir rápido ao posto da polícia para tratar ainda de manhã dos papéis
do enterramento, penso estar de volta dentro de uma horita. Fique a tratar de
tudo e não se pode esqueça que, para receber as pessoas que vierem ao funeral,
ainda é preciso fritar as pataniscas de bacalhau, encher 5 garrafões de vinho e
fazer uma limonada para as crianças.
Capítulo seguinte (6 - A confissão)
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