terça-feira, 21 de agosto de 2018

A economia e os fogos florestais

Todos os Verões há incêndios florestais. 

Apesar da constante propaganda política, "O anterior governo não fez nada mas nós, em poucos anos, já quase conseguimos resolver o problema", os incêndios florestais (que agora se passaram a chamar "rurais") sempre existiram e sempre existirão.
Não só sempre existiram como foram, ao longo dos milénios, a principal ferramenta tecnológica da humanidade contra a Natureza. 
Os fogos florestais pré-históricos, ao criarem espaços abertos, aumentaram a densidade de animais herbívoros e reduziram os predadores permitindo maior densidade de humanos.

Está nos genes do povinho!
Imaginem chegar a um novo território, coberto de árvores, arbustos espinhosos, folhas urticárias, enormes feras escondidas, gritos nocturnos assustadores, cobras venenosas, vespas comedoras de carne. Com o vento favorável, "a tocar daqui para lá", esfregam-se dois pauzinhos secos e, voilá, em pouco tempo, tudo isso estará desbravado.
Por causa do seu poder, os primitivos adoravam o fogo como Deus, era Hefesto para os gregos, Vulcano para os romanos e Surt para os nórdicos.

Quem escreveu os 10 Mandamentos? A língua de fogo.

Sendo que as pessoas que vivem em espaço rural descendem directamente dos primitivos que adoravam o  fogo, está nos seus genes o amor à "oxidação acelerada do material lenhoso".
Bem, todos nós descendemos dos primitivos!!!!!! e, por isso, é que ver arder nos acalma e dá sonolência.

O problema está no gerir o fogo e não em acabar com ele.
A gestão do fogo passa pela gestão do território.
Neste poste não vou falar de forma de combater os incêndios mas comparar como o incêndio evolui, sem combate, em duas formas diferentes de gestão do território, a reserva integral e o desmato. 

Estratégia 1 = Reserva integral.
Vamos imaginar que deixamos o território à sua sorte, sem qualquer intervenção humana.
Não plantamos, nem cortamos árvores, não incendiamos nem apagamos fogos, não fazemos nada.
O que será que vai acontecer?
Com o tempo, vamos ter uma floresta com árvores gigantes, com 50 m de altura, sem vegetação no solo.
Das árvores que conhecemos, ficará o Eucalipto, a Acácia Gigante (conhecida por Austrália) e o Carvalho .
Mesmo que haja esporádicos fogos florestais, estas espécies resistem muito bem ao fogo.
O chão estará coberto por folhas e ramos apodrecidos.

Ficarão árvores gigantes, com trocos largos, e sem vegetação no chão.

O que é ser resistente ao fogo?
A comunicação social fala muito que "a floresta tradicional é resistente ao fogo" mas estão a usar um conceito de forma errada.
Uma espécie ser resistente ao fogo não traduz que não arde mas, pelo contrário, traduz que, se o território arder repetidamente, é essa a espécie que vai dominar o território.
Assim, as árvores mais resistentes ao fogo são o eucalipto e as acácias porque já resultam de um processo de selecção nos locais de origem. Os eucaliptos dominam a floresta Australiana, depois de milhares de anos de queimadas, e as acácias dominam a floresta de Savana também depois de milhares de anos de queimadas.
Se queimarmos repetidamente um território, por exemplo, a cada 5 anos, umas espécies serão favorecidas (as resistentes ao fogo) e outras desfavorecidas (as sensíveis ao fogo).

O que faz um incêndio numa floresta "intocada"?
Ardem as folhas secas e os troncos caídos, mas lentamente porque, estando próximos do solo, não se criam  correntes ascendentes de ar quente. Será como espalhar as brasas de um fogareiro.
As copas vão arder mas, como no solo o fogo evolui lentamente, o fogo será pouco intenso e não afectará toda a copa. 
A velocidade de propagação no solo ser diferente da velocidade de propagação nas copas faz com que o fogo não se consiga desenvolver.
Além disso, os troncos não ardem porque são muito grossos.
No ano seguinte, a floresta estará como se nada tivesse acontecido.

Estratégia 2 = Desmatar como manda o Costa.
Agora, vamos fazer como manda o Costa, cortamos tudo porque assim, diz o Costa, não haverá o que arder.
Isto não é verdade pois, mesmo que se corte tudo todos os anos, rapidamente, a vegetação renasce.
E, como não há recursos para fazer de toda a nossa floresta um campo de golfe, com relva aparadinha uma vez por semana, vamos ter um matagal com rebentos de árvores, arbustos, silvas e ervas numa cobertura com um ou dois metros de altura e, aqui e acolá, árvores com 10 metros de altura

Ficarão arbustos, com trocos finos, e com muita vegetação no chão.

Quando vier o fogo, seja por causas naturais ou, principalmente, como resultado de queimadas para "fugir à multa", vai tudo arder a grande velocidade.
Apesar de, por m2, haver menos combustível, como os troncos são mais finos e a vegetação está toda junta, o incêndio vai ser mais intenso e mais rápido.

A quantidade de combustível não tem nada a ver com a perigosidade.
A granada defensiva M962 que o exército português usa tem dentro 60 gramas contém 60 KCal de energia.
Uma garrafa de litro de óleo que temos nas nossas cozinhas sem qualquer perigo, contém 900KCal.
Uma garrafa de óleo tem tanta energia como 15 granadas mas nunca se ouviu dizer que tenham causado qualquer problema.
A perigosidade está na velocidade com que é libertada a energia.


Porque não o Estado meio-nacionalizar a floresta?
Em termos económicos, um terreno vale para o seu proprietário qualquer coisas como 3€/m2 se der para plantar eucaliptos e menos de 1€ se não der.
Por exemplo, o Pinhal de Leiria tendo 110km2, 11000ha, vale cerca de 100 milhões de euros.
A ideia que eu dava era o Estado partilhar a floresta com o proprietário.
O território passaria para a gestão do Estado enquanto reserva integral e faixas de "corta-fogo" mas, para outros usos futuros, continuaria a ser privada.
Se um dia o proprietário quisesse cortar umas árvores para seu consumo como lenha, plantar umas árvores de fruta, fazer um albergue ou outra coisa qualquer, teria todo o direito a isso mas não teria direito a vender as árvores.

Os políticos (e os bombeiros) têm uma ideia errada quanto ao perigo.
Na comunicação social é transmitida a ideia (pelos políticos e pelos bombeiros) que haver "combustível" é perigoso quando isso não é verdade.
Ao dizer-se isso e ao aplicar multas a quem tem "combustível", faz com que as pessoas lhe peguem fogo.
E é exactamente aqui que está o perigo.
O que se deveria dizer era "deixe estar o combustível no mato que não tem perigo nenhum e, quando vier o inverno, ele vai apodrecer naturalmente."
E não vou dizer mais nada porque está na hora de lanchar!


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