Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (17 - O ataque)
18 – O pedido
Depois
que todos se foram embora, a Maria Zé olhou para o Francisco sem a perna e
começou a ver a sua vida futura num filme que acabava em tragédia. Onde iria
arranjar dinheiro para pagar os 250€ que ficou a dever ao Dr. Acácio? Como
poderia continuar a pagar a renda da casa, sustentar-se e criar as crianças? E
como poderia dar cumprimento à penitência quando o mais certo era morrerem
todos de fome?
– Francisco,
sentes-te bem?
–
Sim, tenho dores mas aguentam-se. O que vai ser de nós agora que eu não posso
trabalhar? Como nos iremos sustentar e às crianças sem o meu ordenado?
–
Não penses nisso agora. Onde estão as crianças? Tenho que ir procura-las. – As
crianças estavam num anexo com a Isabel, a mãe da Maria Zé, que, afinal, não se
tinha ido embora.
–
Mãe, já viu a minha desgraça? O que vai ser de mim sem o Francisco poder
trabalhar? Vamos todos morrer de fome. Será que Deus está a dormir? O que será
que eu fiz de tão terrível para merecer tamanho castigo? Será por não ter
aceite as crianças doentes como Deus mas mandou?
– Não
desesperes, Deus não castiga ninguém e tudo tem solução. A tua miséria não é
culpa tua, minha nem do Francisco mas foi para isso que nascemos. E agora, esta
desgraça que se abateu sobre a tua casa é culpa de quem lhe fez esta maldade
quando ele apenas queria trabalhar. Mas tudo tem solução, não desesperes.
–
Mas qual solução? A solução só pode ser morrermos todos de fome, lá se vão as
minhas crianças todas.
–
Minha filha, eu vou pensar numa solução, vamos agora dormir e deixar que a
noite nos ilumine uma solução. Descansa e não desesperes porque muitas vezes aparecem
soluções que nós, à partida, nem sonhávamos. Amanhã vais ver que tudo se vai
resolver pelo melhor. Não te preocupes com as crianças que eu já avisei que vou
ficar aqui hoje. Já lhes dei de comer e também tenho um pouco de caldo para que
não te deites com a barriga vazia. Depois, vais-te deitar e amanhã haverá outro
dia, nunca podemos perder a esperança, a miséria é o preço que temos que pagar
para podermos estar vivos, era esta vida que tens vivido ou nada.
A Maria
Zé comeu o caldo com a broa, depois foi para dentro e deitou-se. “Mas que
solução poderá haver para esta situação? A minha mãe está apenas a dar-me
falsas esperanças. Vai ser uma tragédia. Vou ter que entregar a casa e ir viver
para um anexo da casa dela, o Rúben já tem 11 anos pelo que já o posso meter a
trabalhar, sempre dá para não morrer de fome mas os mais pequenos, só me resta mandá-los
pedir esmola de porta em porta.”
O
galo cantou “Já o dia está a nascer e não cheguei a pregar olho, não tenho
muita fé no que a minha mãe tem a dizer mas é a única esperança a que me posso
agarrar.” Passados uns minutos a mãe veio bater à porta “Meninos, são horas de
tomar o mata-bicho, vamos para a cozinha para depois arrumarmos isto tudo.” A
Isabel era danada para o trabalho. Enquanto a Maria Zé dava qualquer coisa de
comer ao Francisco que estava cheio de dores e não podia sair da cama, foi
buscar água e começou a lavar tudo o que fazia lembrar a noite anterior, a
mesa, os bancos, as panelas, o chão, tudo num brinco. Depois, pegou na toalha,
no lençol e em tudo o mais que estava com sangue e mergulhou-os numa barrela de
água, sabão e um pouco de lixívia.
– Mãe,
então qual é a solução? Se calhar está a pensar que me esqueci de que ontem me
disse que a noite ia trazer uma solução para a minha miséria, será que está a
pensar que tenho que me prostituir?
–
Não é nada disso mulher, nunca esse pensamento passou pela minha cabeça. Estive
a pensar e lembrei-me de um irmão do teu pai que está na América. Como sabes,
há gente daqui que emigrou e uma dessas pessoas foi um irmão do teu pai, o Jonas,
de que tu, se calhar, nunca ouviste falar porque ele está para lá meio perdido
já faz talvez uns 40 ou 50 anos.
–
E a mãe pensa que ele me vai ajudar? Pensa que ele me vai mandar dinheiro para
que eu possa sustentar os meus filhos? Pensa que uma pessoa que nem conheço nem
nunca ouviu falar de mim me vai ajudar como? Isso não é possível porque eu não
preciso apenas de uma ajuda, eu preciso de dinheiro todos os meses. E com que
interesse é que ele poderia ajudar-me assim?
– Não
sei mas temos que tentar esta hipótese. O Jonas, quando era criança, tinha uma
paixoneta pela tua Tia Júlia. Depois, com 12 anos foi para a Holanda com um
senhor que apareceu por aqui a vender peças de ouro. Daí foi para a América e
continuou a escrever-se com a tua Tia Júlia mas, quando ela se casou com o
primo, nunca mais deu notícias. Sei que lá na América se fez ourives e que a
vida, há uns 40 anos, lhe estava a correr bem. Casou nesse tempo com uma
rapariga de lá de quem teve 2 filhos. Já não tenho notícia dele vai para 30 anos
mas a minha ideia é que ela receba lá o Rúben para trabalhar com ele, sei que o
vai tratar como se fosse seu filho.
–
Sim mãe, isso parece-me uma boa ideia para resolver o problema do Rúben, já seria
uma boa ajuda, mas o Rúben é o menor dos problemas pois arranjo sempre alguém
que o sustente pelo trabalho. Além do mais, onde é que vou arranjar o dinheiro
para a viagem para a América, o comboio e o navio? O mais difícil é arranjar sustento
para as crianças mais pequenas enquanto o Francisco não puder trabalhar.
–
Pois, bem sei que a viagem não deve custar menos que 1000€ mas durante a noite
pensei pelo melhor, o Tio Jonas vai ajudar a pagar a viagem. Não te resolve
todos os problemas mas já é um princípio. Vou-lhe escrever uma carta a contar o
que te aconteceu a ver o que ele diz. Mas vai ser preciso segurares as pontas
durante pelo menos um mês pois não vamos ter resposta antes.
– Um
mês ou dois eu ainda aguento, tenho as ovelhas e posso vender os borregos. Dou
25€ ao Dr. Acácio e digo-lhe que agora não lhe posso pagar mais, tenho milho na
caixa, a renda deste ano já está paga e vou pedir à professora para atrasar um
bocadinho o pagamento da escola do Simeão e da Raquel. O problema maior vai ser
para o ano.
A
Isabel não sabia ler nem escrever e a Maria Zé, dada a importância da carta,
acanhou-se pelo que foram pedir ajuda à menina Dulcinha para que lhe escrevesse
a carta que iriam mandar para a América.
Amigo Cunhado Jonas, espero que tudo por
aí esteja bem e na paz do Senhor.
A vida por aqui parece que está cada vez
mais difícil mas cá nos vamos aguentando com a alegria do Senhor e dos meus 9
filhos e 32 netos. Acontece que aconteceu por aqui uma desgraça, o marido da
minha filha e sua sobrinha Maria José está sem poder trabalhar porque teve que cortar
uma perna. Vinha do campo com uma carrada de feno e foi atacado por
desconhecidos que vieram do Vale só para lhe causar mal. Teve sorte porque, já
estando perto da nossa aldeia, acudir-lhe mas, na confusão, caiu e a roda do
carro dos bois partiu-lhe com gravidade a perna esquerda que teve que cortar. Já
está livre de perigo mas não pode trabalhar pelo menos nos próximos meses e,
depois, ainda vai ter que aprender uma arte nova pois não pode continuar como
pastor. Agora, sem o seu salário, vai ser impossível criar as 4 crianças que
têm e a que estão à espera. Como sei que o Cunhado Jonas teve sucesso na vida e
é muito boa pessoa, venho-lhe pedir para aceitar o filho mais velho da Maria
José como seu aprendiz. Apesar de ter apenas 11 anos, é um menino muito
inteligente e trabalhador a ponto de já ter acabado a 4.a classe e com
distinção. Acresce à dificuldade o facto de não termos o dinheiro necessário
para a viagem que lhe teremos, com vergonha, que pedir emprestado. Deus há-de
ajudá-lo ainda mais sabendo que estará a salvar um inocente cujo destino será a
mais que certa morte à fome. Depois, temos que ter fé que Deus a vai ajudar a
criar o Simeão, a Raquel, a Sara e a criança que ainda traz no ventre.
A Júlia, não sei se já o soube, mas a
vida foi-lhe muito ingrata. Depois de casar, teve 4 crianças mas que nasceram com
a doença e, há cerca de 30 anos, aconteceu uma tragédia de dimensões bíblicas: o
marido matou as crianças e pôs fim à sua própria vida. Naturalmente, vive desde
então com bastantes dificuldades.
Muitas saudades de todos os seus
familiares e amigos que o continuam a ter no coração.
Isabel do Zenão.
Capítulo seguinte (19 - A resposta)
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