Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (21 - O dinheiro)
22 – O estrangeiro
A
comissão dos homens bons reuniu-se para identificar e tentar resolver os
problemas que tinham que ser ultrapassados para que 30 casais pudessem rumar à América.
Tendo a certeza de que haveria muito mais candidatos, um problema difícil seria
seleccionar quem poderiam seguir viagem e quem continuaria condenado à
miséria. Mas este problema nem chegou a ser discutido porque não haveria forma
de arranjar o dinheiro necessário para pagar a viagem. O Sr. Dr. Acácio disse
que, tendo feito uma pequena investigação, uma viagem para 60 pessoa da aldeia
até à América não ficaria por menos de 100000€ e, disseram rapidamente todas as
pessoas, não havia onde arranjar tal soma de dinheiro.
Disse
o Sr. Costa “não é totalmente impossível conseguirmos os 10000€, se todos
pagarem dá pouco mais de 150€ por família, é uma soma importante mas não é
impossível mas têm que contribuir todos.”
–
Sim, mas não há muita agente que não vai querer contribuir porque são contra a
partida dos jovens. O melhor é irmos de casa em casa a ver quantas pessoas
estão disponíveis para participar no projecto e no final, se não puderem ir 30
casais, vão menos, nem que sejam só 5 casais, é um princípio e esses podem vir
a ajudar que outros possam ir, não nos podemos dar já como derrotados.
E
foi-se toda a gente embora totalmente desanimada.
O
dia nasceu e as pessoas, como todos os dias faziam, ficaram a trabalhar nas
oficinas ou saíram da aldeia para trabalhar, umas no Vale para trabalhar à
jorna, outras com os rebanhos pelo monte fora e ainda outras a recolher lenha e
a tratar dos campos que ficavam fora de muros. As conversas foram todos em
volta da questão da viagem e do dinheiro que seria necessário e o máximo que se
conseguiria seria que os pais dos candidatos contribuíssem com algum dinheiros,
uns 200€. Fazendo contas, o máximo que se conseguiria seriam 10mil€ o que não
daria para nada.
A
manhã foi avançando e, eram umas onze horas da manhã, os porteiros da aldeia
observaram que uma pessoa subia pelo caminho que ligava a aldeia do Vale à
aldeia do Monte. Coisa nunca vista pois, tirando o Dr. Acácio, os três polícias
e, de longe a longe, o procurador do Arquiduque, nunca nenhum estranho tinha
vindo visitar a aldeia do Monte. Mais estranho ainda era a pessoa estar toda
vestida de branco quando no Monte todas as pessoas vestiam de preto. Foi-se
aproximando e aqueles olhos todos dos porteiros mais das pessoas que foram
avistando o forasteiro e outras que foram sendo chamadas à atenção foram-se
focando naquela figura com uns 60 anos. Era mesmo uma coisa nunca vista, trazia
chapéu, casaco, camisa, calças, meias e até sapatos, tudo branco. Quando chegou
à porta dirigiu-se à pequena multidão que já lá se tinha juntado, mais de 20
pessoas, e disse com um sotaque muito pronunciado “Boas dias, meu nome ser
Newman Dessilva e vir mandado do América por Sr. Jonas, conhecer senhor neste
terra? Ele mandou eu tratar problemas de viagem.”
–
Bom dia – disse um dos porteiros – nós observamos que o Sr. é da aldeia do
Vale, o que é estranho, porque nunca tivemos uma visita vinda de lá e para mais
à luz do dia. Mais estranho ainda é a sua pronuncia. É que não estamos a
perceber bem o que pretende dizer.
– Não,
não, não ser, eu não ser do aldeia do Vale, eu não ser, eu vir por causa de viagem,
eu ser do América, eu vir do América para tratar de coisas do viagem de jovens para
o América. Já ouviu falar do Sr. Jonas que foi no América e agora querer jovens
no América?
–
Ai é um Sr. da América, ai, não estávamos a perceber, pensávamos que era alguém
do Vale que nos vinha cobrar um imposto qualquer, assim a coisa é outra, entre,
entre, vamos já para casa do Sr. Costa que é quem está a tratar dessas coisas,
vamos lá que vai ser uma surpresa agradável. O Sr. é muito bem vindo.
Acompanhe-me Sr., Sr. como disse que era mesmo o seu nome?
–
Newman de Silva
–
Sr. ... Silva, acompanhe-me que a casa do Sr. Costa fica ali no meio da aldeia.
– Não,
não, ser Dessilva, meu nome ser Dessilva e não ser Silva.
–
Sim , sim, Sr. Dessilva, desculpe o engano que pensei que fosse Silva. É que
nunca tinha ouvido tal nome. Nós temos aqui parecido mas é Silva.
–
Não, não, eu ser Dessilva, tudo junto, é nome do América, nome de meu pai, Dessilva.
Aqueles
dois homens atravessaram os campos que rodeavam a aldeia, uns 750 m, e entraram
na aldeia. Mais uns metros e já estavam à porta do Sr. Costa. Bateram e foi a
Sr.a Celeste, empregada ocasional da casa, que abriu a porta. Bom dia Sr.s, o
que pretendem?
–
Bom dia Sr.a Celeste, trago aqui este Sr. que diz vir da América mandado pelo
Sr. Jonas para tratar da viagem dos jovens para lá. Como o Sr. Costa é o
presidente da confraria, pensei que o melhor seria traze-lo cá. O Sr. Costa
está por aí para poder falar com este senhor?
–
Mas Sr. Porteiro, se o Sr. veio da América, o Sr. Costa não vai conseguir falar
com ele porque não sabe falar americano.
–
Inglês senhorita, inglês, em América falar inglês mas eu saber falar língua de
Sr. Costa, está a perceber eu? Eu saber falar, mal mas saber falar – disse o
americano.
–
Aiiiih, sabe falar a nossa língua, mas como raio percebe o que a gente diz? Será
que também falamos esse tal inglês sem o sabermos? – e, reclinando a cabeça
para trás, soltou uma gargalhada.
–
Não, não, meus bisavós ser destas terras, eles falar língua daqui. Eu aprender
mal mas aprender qualquer coisinho no eles. Pode chamar no Sr. Costa que eu
perceber na tudo.
–
Mas eram daqui de onde? Se calhar daqui mesmo, se calhar eram dos nossos – disse
a Sr. Celeste a tentar descobrir alguma coisa da história daquele homem não fosse
apenas um farsante que vinha para roubar o Sr. Costa.
–
Não saber, eu não conhecer meus bisavós, meus pais não saber terra de bisavós.
Mas saber língua, mal, pouco, mas saber coisinho pouco eu o aprender pequenino.
–
Bem, daqui da aldeia não deveriam ser senão a gente sabia. O Sr. entre e
sente-se aqui que vou chamar o Sr. Costa. E o Sr. Porteiro também se sente e aguarde
um pouquinho porque este homem pode ser um farsante que veio cá apenas para
roubar o Sr. Costa. Por favor, aguarde um bocadinho para tomar conta dele, quem
diria que por esse mundo fora haveria homens que se vestissem de branco, isto é
roupa para os anjinhos. Valha-nos Deus que o homem ainda é de Sodoma.
A
Sr.a Celeste foi lá dentro à oficina procurar o Sr. Costa que estava entretido
nos seus afazeres de industrial. “Sr. Costa, está ali um Sr. todo vestido de
branco que diz vir da América enviado pelo Sr. Jonas, o homem já tem uma
idadesita mas pode ser um farçante”.
–
Vamos lá então ver quem é esse homem.
Lá
foram, uma coisa de um ou dois minutos, e já estavam na presença do homem de branco
“Bom dia, então o Sr. veio da América mandado pelo Sr. Jonas. Mas o Sr. Jonas
escreveu uma carta e não referiu que o ia enviar!”
–
Meu nome ser Newman Dessilva, como vai confundir, digo já Dessilva, tudo junto.
Realmente não, Jonas não escrever porque decidir de vir ser depois de carta
partir. Eu ser sócio de Jonas em trabalho, Jonas trabalhar em oficina, em
produção, eu trabalhar em loja, em vender, em gerir. Jonas mandar carta e
dinheiro e depois pensar e me mandar ajudar gerir viagem.
–
Mas como é que o Sr. nos vai poder ajudar? Como deve saber o principal problema
vai ser arranjar dinheiro para pagar a viagem, vão ser precisos pelo menos 100000€,
e não estou a ver como nos pode ajudar nisto.
–
Exactamente. Eu vir no resolver dinheiro na viagem, eu resolver, eu saber
resolver, ter investidores em América que resolve problema.
–
Se é assim, realmente resolve os nossos problemas mas para isso teria que trazer
malas cheias de notas e não o estou a ver acompanhado por essas malas – disse o
Sr. Costa em tom jocoso pois não acreditava ser possível aquele homem arranjar o
dinheiro.
– Não
preocupar, eu resolver tudo, e ter outra solução além do eu? Ter outro pessoa que
resolver problema do dinheiro?
– Bem,
realmente não, entre o Sr. que diz resolver o problema e outro qualquer que diz
não ser capaz de o resolver, realmente, tenho que lhe dar o benefício da dúvida.
Mas como vai resolver esse problema?
– Já
estar a começar a resolver mas primeiro ser preciso resolver problema de Dessilva,
eu precisar casa no viver no aldeia. Eu precisar um sítio para viver aqui no
aldeia que eu não querer viver no Vale.
–
Mas eu não sei se é possível um americano passar aqui a noite. É que o nosso
foral não fala na vinda de pessoas de fora.
–
Eu já falar ontem com procurador de Arquiduque, eu já pagar ontem os 10 g de
ouro, dizer eu poder ficar um ano aqui. Disse coisa que não perceber, disse “Não
contar na medida do muro” mas dizer que eu poder ficar. Agora é preciso casa
para eu estar e ir buscar baús na estação de transportes. Estar lá 10 baús
coisas meu. Precisar homens e carro ir buscar coisas meu.
– Um
ano, vai planeia ficar um ano aqui em cima? Estou a ver que o Sr. Dessilva vem com
boa intenção, é uma pessoa séria que vem mesmo para nos ajudar pelo que vai
ficar hospedado em minha casa. Tenho um quarto vazio que lhe serve às mil
maravilhas.
Virando-se
o Sr. Costa para a Sr.a Celeste.
– A
Sr.a veja quem há-de ir ao Vale buscar os pertences do Sr. Dessilva. Chame ai
uma carroça que possa ir imediatamente lá baixo buscar os pertences deste senhor
e, depois, trate do quarto das visitas para o nosso hóspede.
Dirigindo-se
depois ao americano
–
Nós ainda não tínhamos dado o problema da viagem para a América como impossível
mas estamos muito desanimados principalmente porque não temos onde ir buscar o
dinheiro. Além do mais, nem fazemos ideia como se pode fazer tal viagem, o
caminho a tomar, a papelada a tratar. Se o Sr. Dessilva tiver mesmo vindo para resolver os problemas da viagem, só pode ter sido um anjo enviado do Céu, está-me a perceber? É que estamos
completamente desanimados e sem saber o que fazer.
Capítulo seguinte (23 - O passeio)
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