Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (20 - A carta)
21 – O dinheiro
A
notícia de que o Jonas pretendia chamar pessoas para a América tinha que ser rapidamente
tornada pública. Então, pensou a Isabel, “O melhor será ir falar ao Sr. Costa
pois é o presidente da confraria”. Pegou na carta e lá foi ela por aquelas
ruelas estreitas. Chegada lá, bateu-lhe à porta e foi a menina Dulcinha que
veio atender, como sempre, com um grande sorriso.
–
Boa tarde Sra. Isabel, o paizinho disse-me que o seu cunhado Jonas lhe enviou
uma pipa de dinheiro, graças a Deus pois, se não fosse isso, a sua filha Maria
Zé iria sofrer um mau bocado. Agora, a Sr. Isabel vem cá, penso seu, porque
precisa de dinheiro? Eu vou chamar o paizinho que está na oficina.
– Não
Menina Dulcinha, não, não, eu não venho cá por causa do dinheiro mas por causa
de algo relacionado com isso, venho cá por causa da carta que o meu cunhado
mandou juntamente com o dinheiro e que estive a ler com a minha filha. Mas vou na
mesma precisar de falar com o paizinho por ser presidente da confraria. É que o
meu cunhado Jonas diz que, juntamente com amigos dele, quer mandar carta de
chamada para que 30 casais da nossa aldeia possam ir trabalhar para a América.
Diz ele que, na América, uma pessoa trabalhadora pode ganhar muito mais
dinheiro do que ganha aqui. Diz ele que um homem pode ganhar 150€ por semana.
–
Isso são muito boas notícias, isso é muito dinheiro, é uma boa notícia para os nossos
jovens pois aqui só há miséria.
–
Exactamente, mas não penso que seja fácil as pessoas irem por causa da falta de
dinheiro para a viagem.
– Tudo
tem os seus problemas, a Sr.a Isabel entre e sente-se que eu vou chamá-lo.
Veio
o Sr. Costa que já estava informado pela Dulcinha das notícias da carta. “Sr.a
Isabel, realmente, ir para a América era bom, temos que tornar pública essa
informação, vou marcar uma reunião da confraria já para amanhã à noite e também
vou chamar o Padre Augusto que sempre pode dar alguma ideia sobre como vamos
arranjar o dinheiro necessário. A Sr.a Isabel quer beber um bocadinho de licor?
Dulcinha traz um licorzinho aqui para a Sr.a Isabel que agora é uma
capitalista.”
–
Ai Sr. Costa que não é bem assim porque o dinheiro que recebi é na maioria para
os outros. Na carta que está aqui, o meu cunhado diz que para mim são 250€,
para a minha irmã Júlia são 1000€ e o restante é para a minha filha Maria Zé. Como
vê, fiquei logo outra vez pobre.
–
Pois, pois, mas para mim, o dinheiro foi-me entregue em seu nome pelo que é
seu.
–
Obrigado Sr. Costa, agora que já tratei de lhe dar as notícias da carta vou até
casa para contar as novidades ao meu marido que ainda não sabe de nada do que o
irmão Jonas me escreveu.
A reunião
dos confrades foi logo no dia seguinte onde a Isabel, por ser a detentora da
carta, teria que ser a figura principal. Estavam todos os homens de honra da
aldeia, uns 50, vestidos com a capa vermelha, todos com curiosidade para ouvir,
palavra por palavra, o que a carta do Jonas dizia sobre a emigração para a América.
–
Boa noite a todos, eu pedi ao Sr. Costa para marcar esta reunião porque o meu
cunhado Jonas que alguns de vocês ainda conheceram em criança, me escreveu da
América. Pelo que percebi, ele está muito bem na vida a ponto de me ter mandado
3250€ e pagar a estadia do meu neto Rúben em Amesterdão para que possa aprender
a arte de ourives. É que ele tem uma oficina de ourivesaria em Nova York. Mas
mais importante é que a confraria de lá quer receber 30 casais jovens da nossa
aldeia.
“Extraordinário,
extraordinário” disseram aqueles homens todos em uníssono abanando a cabeça
para cima e para baixo em sinal de aprovação “Extraordinário como uma criança
que saiu daqui com apenas a roupa do corpo teve forças suficientes para vencer
nesse mundo desconhecido, só pode ter sido com a ajuda de Deus.”
– Agora,
penso que devemos aproveitar a oportunidade de enviar os 30 casais jovens para lá
mas isso tem vários problemas. Primeiro será preciso seleccionar as pessoas que
devem ir. Depois, há o problema do dinheiro para a viagem que não será menos
que 2500€ por casal. Finalmente, será preciso que as pessoas saiam daqui já a
saber um rudimento de inglês mas não temos professor.
Nesse
momento um senhor com alguma idade pediu a palavra “Eu sou contra isso de
mandarmos os nossos jovens para a América. Se os jovens se vão embora quem é
que nos vai apoiar na velhice? Quem é que nos vai defender dos ataques dos do Vale?
Quem é que vai pastorear o gado no monte? Quem é que vai cultivar os campos?
Andamos nós a fazer sacrifícios a criar os nossos filhos e agora eles vão-se
embora sem mais nada? Se esses da América queriam jovens que os tivessem feito,
que tivessem filhos e que os tivessem criado como nós o fizemos.”
Fez-se
uns segundos de silêncio para outra pessoa dizer “Pereira, não te preocupes com
esse problema porque ninguém vai conseguir arranjar o dinheiro para as
viagens.” E voltou-se a fazer silencio na sala que o Sr. Costa aproveitou para
tomar a palavra.
–
Amigo Pereira, tem toda a razão, nós não somos nada sem os jovens, sem a sua
alegria de viver, sem a sua força, sem a sua energia. Mas aqui estarão condenados
a um beco sem saída. Será vida trabalhar como jornaleiro nos campos do vale a
ganhar 0,50€ por hora, pastar gado no monte por menos de 100€ por mês, é cavar
os nossos campos magros por umas verduras? Se, pelo contrário, forem para a
América, podem ganhar mais numa hora do que ganham aqui num dia e, desta forma,
até podem ajudar mais os pais do que ficando aqui. Não vês como o Jonas enviou
dinheiro para ajudar a filha da Isabel?
Depois,
o Padre Augusto também pediu a palavra “Faça favor Sr. Padre, faça favor” disse
o Sr. Costa.
–
Meus irmãos, realmente, podem pensar que quando eu vos digo que têm que cumprir
o mandamento de Deus “Crescei e multiplicai-vos” os filhos estarão sempre à vossa
disposição. Mas o mandamento não acaba aqui, o mandamento de Deus é “Crescei,
multiplicai-vos e povoai o Mundo”. Assim, apesar de poder parecer que não
podemos viver sem esses 30 casais de jovens, agora que existe esta possibilidade,
é nossa obrigação enviar os melhor de entre nós para cumprirmos o mandamento de
Deus. Deus vê razão onde nós nada vemos e, por isso, o melhor para todos nós,
para os que vão e para os que ficam, é fazer tudo o que estiver ao nosso alcance
para que esses jovens 60 jovens possam ir para a América começar uma nova comunidade.
O
sr. Costa pediu outra vez a palavra “E há outra questão, temos talvez 600
jovens com idade entre os 18 e os 25 anos e, todos os anos, mais jovens se lhes
juntam. Assim, esses 30 casais de jovens não vão reduzir significativamente o
número de jovens que temos na aldeia. Mesmo que, a partir de agora, acontecesse
o milagre de partirem 30 casais por ano, ainda sobrariam jovens suficientes
para nos defendermos e para continuarmos a amanhar os campos. E já estou como o
Sr. Padre, temos também que acreditar na rectidão das palavras ditas pelo
próprio Deus, se recebemos o mandamento “povoai o Mundo”, nós só temos que
obedecer.
Voltou
o Sr. Padre Augusto “Imaginem que há 150 anos atrás os nossos antepassados não
tinham fugido das perseguições do Vale. O que teria acontecido ao nosso povo?”
fez-se um silêncio “Seria o silêncio pois teria desaparecido e hoje não
estaríamos aqui. Agora imaginem que, daqui a 10 ou 20 anos, existe um outro
cataclismo aqui na aldeia. Ao termos esses jovens na América, quem sabe se não
serão eles que vão ser a continuação do nosso povo? Não será Deus, pela mão do
Sr. Jonas, a dizer ao nosso povo que está na hora de avançar? Não será o Sr.
Jonas um novo Moisés?” fez-se silêncio.
“Vamos
então votar”, disse o Sr. Costa “Levante o braço quem é contra mandarmos os
jovens para a América.” As pessoas começaram a olhar umas para as outras e a
levantar os braços, “Um, dois, três, quatro, cinco, ... doze, doze, doze votos
contra. Quem vota a favor que levante agora o braço” o Sr. Costa deu uns
segundo e recomeçou a contar “um, dois, três, ..., doze, treze, temos maioria
a favor, catorze, ...” o Sr. Costa ia apontando com o dedo enquanto contava os
braços “Trinta e dois, trinta e três, trinta e três. Temos doze votos contra, trinta
e três votos a favor e ainda algumas abstenções. A ideia de mandar os jovens
foi aprovada.” Toda a gente bateu palmas, mesmo os que votaram contra. “Agora
temos que começar a trabalhar no projecto de enviar os jovens para a América, ver
como vamos arranjar o dinheiro, vamos fazer uma comissão que trate desses
pormenores. Penso que a Sr.a Isabel terá que fazer parte porque foi a pessoa
que conseguiu convencer o Jonas a mandar as cartas de chamada, o Sr. Padre
Augusto porque conhece bem as pessoas e mais alguém que vocês pensem.” Alguém
disse no meio da multidão “o Dr. Acácio, é uma pessoa que conhece o mundo e
muito séria” e toda a gente disse que sim. “Então fica o Dr. Acácio e eu também
fico como representante da confraria, para vos poder transmitir os desenvolvimentos.
Há alguém que vote contra esta comissão?” ninguém levantou o braço. “Então fica
mesmo assim”. Toda a gente bateu palmas. “Se não há mais perguntas, vamos então
embora que já se faz tarde. Muito obrigado por terem vindo e boa noite.”
Mas
a questão do dinheiro ficou por responder. Onde é que poderiam arranjar
dinheiro suficiente para a viagem de 60 pessoas? E nem faziam ideia de como
essa viagem poderia ser feita em termos de documentação e logística.
Capítulo seguinte (22 - O estrangeiro)
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