Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (24 - A reunião)
25 – O anúncio
Quando
todos se preparavam para ir embora, o Sr. Dessilva pediu à Isabel se poderia
ficar mais um pouco para falar um pouco da história da morte do Abel e do seu
amigo Alberto havia muitos anos assassinados no monte. A razão da sua
curiosidade, disse, tinha a ver com o Jonas, seu sócio na ourivesaria que tinha
na América, lhe falar repetidamente nessas duas pessoas de quem era muito amigo.
–
Sabe Sr. Dessilva, não lhe vou poder avançar com muita informação porque não a
tenho, a minha irmã é que os procurou no monte e foi mesmo ela quem encontrou o
Alberto, já morto e comido pelos lobos. Nesse tempo eu era praticamente uma
criança pelo que pouco me lembro. Lá em casa falava-se que a Júlia iria casar
com esse Abel mas o casamento não chegou a acontecer exactamente por o terem matado,
disseram que foram pessoas que vieram do Vale com o intuito de lhe roubar as ovelhas.
– E
a Isabel tem mesmo a certeza de que o Abel morreu?
– Eu
tenho a certeza absoluta tal como todas as pessoas daqui menos a minha irmã que
diz que, tendo procurado por todo esse monte, nunca encontrou nada que
indicasse a sua morte. Nunca encontrou nada do Abel, nem os cães nem a roupa, o
lhe dá esperanças de que nunca tenha morrido.
– A
Isabel acha mesmo que pode estar vivo, perdido numa gruta qualquer?
– Nunca,
é impossível uma pessoa sobreviver sozinha, lá encima, uma noite sequer quanto
mais 40 anos e sem nunca ter dado notícias! Eu penso que os lobos enfiaram o
corpo numa toca tendo assim enterrado a roupa, os lobos são como os cães, têm o hábito de enterrar a
comida para o Inverno. A Júlia nunca perdeu a esperança mas é uma maluqueira
dela, não se cansa de repetir que “O Abel não morreu porque os cães não
apareceram.”
–
Mas então os cães não poderiam também ter sido comidos pelos lobos?
–
A Júlia diz que não pode ser porque o Abel punha sempre a coleira de espetos
nos cães e que nenhum lobo seria capaz de os comer assim protegidos. Mas o Sr.
acha que decorridos 40 e tal anos pode lá esse Abel estar vivo? Os cães podem
até ter escapado num primeiro momento mas alguém de outra aldeia viu-os, gostou
deles elevou-os.
O
Dessilva abanou a cabeça em sinal afirmativo. Depois, despediu-se e foi-se para
casa ainda pensando durante o caminho um pouco no assunto “Sim, estou a ver que
toda a gente pensa que o Abel está morto.”
Quando
chegou a casa do Sr. Costa já estava a pensar na organização da viagem para
América. No dia seguinte iria mandar afixar um aviso a informar as pessoas das
condições da viagem e assim foi. No dia seguinte levantou-se cedo, preparou-se e
foi falar com o Sr. Padre Augusto para que fosse afixado um folheto na porta da
igreja a anunciar a abertura de candidaturas. Ficou acordado que os casais
interessados teriam que escrever os nomes, as datas de nascimento e as notas de
conclusão da escola de cada um e ainda o número de filhos e as suas idades,
informação que teria que ser entregue em casa do Sr. Costa durante a semana seguinte.
O
Padre Augusto achou bem que também fossem dadas algumas palavras às pessoas.
Então, combinou com o Dessilva que o melhor que, no fim da missas, o Dessilva
falasse com as pessoas que o quisessem.
–
Meus irmãos, vou agora terminar esta Santa Missa trazendo-vos uma boa notícia. Como
sabem tem estado entre nós um senhor americano, o Sr. Dessilva. Este senhor que
está aqui a meu lado, que está na aldeia para organizar a viagem de 30 casais
jovens rumo à América – criou-se um certo burburinho, tudo em voz baixa “O
quê, o quê, não ouvi bem, quem é que vai para a América?”.
–
Um nosso irmão, o Jonas, emigrou há muitos anos para a América e vai mandar
carta de chamada para que 30 casais possam emigrar para a beira dele. É o Sr.
Dessilva que está a tratar de tudo.
Nessa
altura todos se esticaram para ver onde estava o Sr. Dessilva. Como o
burburinho aumentou, o Padre Augusto teve que pôr ordem na multidão “Silêncio,
silêncio que estamos na casa do Senhor. Como eu ia dizendo, claro que devem
estar a pensar no problema da viagem, como tratar os papeis, onde arranjar
dinheiro para pagar o navio e para sustentar as crianças que vão ficar aqui. Mas
tenho a dizer que não precisam de se preocupar, que tanto podem ir pobres como
ricos pois todas as despesas serão custeadas por pessoas das relações do Sr.
Dessilva mediante contrapartidas, uma vez na América, terão que trabalhar
durante 5 anos ganhando 150€/semana os homens e 120€/semana as mulheres e,
depois, têm que entregar 10% do vosso salário aos financiadores. Quem estiver a
pensar candidatar-se à viagem pode passar no fim da missa pela sacristia que
estará lá o Sr. Dessilva para poderem conversar um pouco. Depois, podem ainda
procurar o Sr. Dessilva em casa do Sr. Costa, onde está hospedado.
– Dóminus vobíscum – a que o povo
respondeu “Et cum spíritu tuo.”
– Benedícat vos omnípotens Deus, Pater, et
Fílius, et Spíritus Sanctus.
– Amen.
– Ite, missa est.
– Deo grátias.
Comparando
com a dimensão média das casas da aldeia, a igreja era grande, uns 25m de
comprimento por 12 m de largura mas pequena de mais para as pessoas da aldeia.
Assim, como era normal, estava completamente cheia, talvez mais de 1000 pessoas
de pé. Terminada a missa, a grande maioria dos fieis tentou entrar na sacristia
o que era fisicamente impossível porque lá não caberiam mais do que 30 pessoas
mesmo que apertadas. Na Igreja talvez só algumas quisessem ir para a América
mas outras tinham filhos, irmãos primos ou vizinhos que talvez estivessem
interessados e queriam ser eles a transmitir a notícia. Como não cabiam, gerou-se
uma guerra de empurrões e de chega-para-ai que precisou de uma intervenção musculada
do Padre Augusto. Além do mais, o Sr. Dessilva que estava com ele junto ao
altar nunca poderia entrar na sacristia para dizer fosse o que fosse. Disse
então o Padre Augusto em voz alta:
– Meus
filhos, meus filhos, vamos a ter calma, como não cabem na sacristia, vamos
aguardar que o Sr. Dessilva está aqui mesmo a meu lado e vai-vos falar aqui
mesmo dentro da casa do Senhor. Deus há-de compreender a situação.
O
Sr. Dessilva olhou para o padre Augusto e encolheu os ombros como que a dizer
“Assim terá que ser.” Então, o Padre Augusto voltou ao ataque na tentativa de
por ordem na multidão “Irmãos, por amor de Deus, aguardem que não cabe mais
ninguém na sacristia. O Sr. Dessilva vai-vos falar aqui mesmo no corpo da
igreja, por favor voltem aos vossos lugares e façam silêncio que o Sr. Dessilva
vai falar.”
–
Boa tarde, eu falar mal, desculpar se não perceber good. Pessoas ir no América Dessilva tratar de tudo, viagem no
comboio e no navio pagar eu. Deixar filhos no aldeia, fundo pagar 20€ por mês
cada crianço. Depois, chegar no América ter casa, comida e trabalho 5 anos,
homens ir ganhar 150€ no semana e mulheres 120€ no semana. Depois do 5 anos, se
arranjar outro emprego no América vai pagar 10% aos investidores.
Eu quero ir, por favor, leve-me a mim, salve-me desta miséria, não me deixe
morrer aqui nem aos menus filhos – gritaram as pessoas fazendo um grande
burburinho.
–
Silêncio, silêncio que estamos na casa do Senhor – disse o Padre Augusto – Vamos
ouvir o Sr. Dessilva um pouco mais sobre quem poderá ir.
–
Não precisar pressa, pessoa escrever informação e, depois, eu ir escolher pessoa
certa. Pessoa escrever em casa uma folha no nome, idade, nota da escola, de
homem e de mulher, quanto filha tem, escrever morada, entregar em casa de Sr.
Costa e eu avaliar.
Mas
as pessoas não paravam de levantar o braço e de gritar cada vez com mais força
“Eu quero ir, por favor, leve-me a mim, salve-me desta miséria, não me deixe
morrer aqui nem aos meus filhos”. Assim, as pessoas não perceberam bem o que o
Sr. Dessilva tinha dito mas o Padre Augusto remeteu-as para a folheto que estava
à porta da igreja e em quem ninguém tinha reparado. Também, antecipando isso, distribuiu
10 cópias do folheto que tinha o Mariazinha mandado fazer de urgência.
Cá
fora, aquelas 10 folhas deram origem a 10 pequenas multidões que se acotovelavam
para se poderem informar sobre os pormenores da viagem.
Na
melhor das hipóteses, o Dessilva tinha antecipado que haveria uns 100 casais interessados
em partir mas, logo naquele Domingo, recebeu mais de 200 candidaturas e, nos
dias seguinte, mais e mais centenas. No final da semana tinha mais de 500
candidaturas.
– Nunca
pensar que tanta gente querer ir embora, é que receber mais de 500 candidatura
– disse o Sr. Dessilva ao Sr. Costa ao jantar – mais de 1000 pessoa querer partir.
–
Sabe Dessilva, eu também nunca o imaginei mas, realmente, as pessoas aqui têm
uma vida muito dura, trabalham muito e por pouco dinheiro, sofrem constantes
ataques das pessoas do Vale e, por vezes, são mesmo assassinadas. Se der uma
volta pela aldeia vai ver muitas pessoas com fome e muitas crianças que morrem exactamente
porque não têm o que comer. Se nestes montes há alguma coisa com fartura é a
fome e a miséria, as pessoas nem roupa têm para vestir. A vida aqui é uma autêntica
miséria. E como é que o Dessilva vai agora escolher os 30 casais?
Capítulo seguinte ( 26 - A selecção)
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