quarta-feira, 29 de julho de 2015

25 - O Anúncio

Crime e Redenção 
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (24 - A reunião)    




25 – O anúncio
Quando todos se preparavam para ir embora, o Sr. Dessilva pediu à Isabel se poderia ficar mais um pouco para falar um pouco da história da morte do Abel e do seu amigo Alberto havia muitos anos assassinados no monte. A razão da sua curiosidade, disse, tinha a ver com o Jonas, seu sócio na ourivesaria que tinha na América, lhe falar repetidamente nessas duas pessoas de quem era muito amigo.
– Sabe Sr. Dessilva, não lhe vou poder avançar com muita informação porque não a tenho, a minha irmã é que os procurou no monte e foi mesmo ela quem encontrou o Alberto, já morto e comido pelos lobos. Nesse tempo eu era praticamente uma criança pelo que pouco me lembro. Lá em casa falava-se que a Júlia iria casar com esse Abel mas o casamento não chegou a acontecer exactamente por o terem matado, disseram que foram pessoas que vieram do Vale com o intuito de lhe roubar as ovelhas.
– E a Isabel tem mesmo a certeza de que o Abel morreu?
– Eu tenho a certeza absoluta tal como todas as pessoas daqui menos a minha irmã que diz que, tendo procurado por todo esse monte, nunca encontrou nada que indicasse a sua morte. Nunca encontrou nada do Abel, nem os cães nem a roupa, o lhe dá esperanças de que nunca tenha morrido.
– A Isabel acha mesmo que pode estar vivo, perdido numa gruta qualquer?
– Nunca, é impossível uma pessoa sobreviver sozinha, lá encima, uma noite sequer quanto mais 40 anos e sem nunca ter dado notícias! Eu penso que os lobos enfiaram o corpo numa toca tendo assim enterrado a roupa, os lobos  são como os cães, têm o hábito de enterrar a comida para o Inverno. A Júlia nunca perdeu a esperança mas é uma maluqueira dela, não se cansa de repetir que “O Abel não morreu porque os cães não apareceram.”
– Mas então os cães não poderiam também ter sido comidos pelos lobos?
– A Júlia diz que não pode ser porque o Abel punha sempre a coleira de espetos nos cães e que nenhum lobo seria capaz de os comer assim protegidos. Mas o Sr. acha que decorridos 40 e tal anos pode lá esse Abel estar vivo? Os cães podem até ter escapado num primeiro momento mas alguém de outra aldeia viu-os, gostou deles elevou-os.
O Dessilva abanou a cabeça em sinal afirmativo. Depois, despediu-se e foi-se para casa ainda pensando durante o caminho um pouco no assunto “Sim, estou a ver que toda a gente pensa que o Abel está morto.”
Quando chegou a casa do Sr. Costa já estava a pensar na organização da viagem para América. No dia seguinte iria mandar afixar um aviso a informar as pessoas das condições da viagem e assim foi. No dia seguinte levantou-se cedo, preparou-se e foi falar com o Sr. Padre Augusto para que fosse afixado um folheto na porta da igreja a anunciar a abertura de candidaturas. Ficou acordado que os casais interessados teriam que escrever os nomes, as datas de nascimento e as notas de conclusão da escola de cada um e ainda o número de filhos e as suas idades, informação que teria que ser entregue em casa do Sr. Costa durante a semana seguinte.
O Padre Augusto achou bem que também fossem dadas algumas palavras às pessoas. Então, combinou com o Dessilva que o melhor que, no fim da missas, o Dessilva falasse com as pessoas que o quisessem.
– Meus irmãos, vou agora terminar esta Santa Missa trazendo-vos uma boa notícia. Como sabem tem estado entre nós um senhor americano, o Sr. Dessilva. Este senhor que está aqui a meu lado, que está na aldeia para organizar a viagem de 30 casais jovens rumo à América – criou-se um certo burburinho, tudo em voz baixa “O quê, o quê, não ouvi bem, quem é que vai para a América?”.
– Um nosso irmão, o Jonas, emigrou há muitos anos para a América e vai mandar carta de chamada para que 30 casais possam emigrar para a beira dele. É o Sr. Dessilva que está a tratar de tudo.
Nessa altura todos se esticaram para ver onde estava o Sr. Dessilva. Como o burburinho aumentou, o Padre Augusto teve que pôr ordem na multidão “Silêncio, silêncio que estamos na casa do Senhor. Como eu ia dizendo, claro que devem estar a pensar no problema da viagem, como tratar os papeis, onde arranjar dinheiro para pagar o navio e para sustentar as crianças que vão ficar aqui. Mas tenho a dizer que não precisam de se preocupar, que tanto podem ir pobres como ricos pois todas as despesas serão custeadas por pessoas das relações do Sr. Dessilva mediante contrapartidas, uma vez na América, terão que trabalhar durante 5 anos ganhando 150€/semana os homens e 120€/semana as mulheres e, depois, têm que entregar 10% do vosso salário aos financiadores. Quem estiver a pensar candidatar-se à viagem pode passar no fim da missa pela sacristia que estará lá o Sr. Dessilva para poderem conversar um pouco. Depois, podem ainda procurar o Sr. Dessilva em casa do Sr. Costa, onde está hospedado.
Dóminus vobíscum – a que o povo respondeu “Et cum spíritu tuo.”
Benedícat vos omnípotens Deus, Pater, et Fílius, et Spíritus Sanctus.
Amen.
Ite, missa est.
Deo grátias.
Comparando com a dimensão média das casas da aldeia, a igreja era grande, uns 25m de comprimento por 12 m de largura mas pequena de mais para as pessoas da aldeia. Assim, como era normal, estava completamente cheia, talvez mais de 1000 pessoas de pé. Terminada a missa, a grande maioria dos fieis tentou entrar na sacristia o que era fisicamente impossível porque lá não caberiam mais do que 30 pessoas mesmo que apertadas. Na Igreja talvez só algumas quisessem ir para a América mas outras tinham filhos, irmãos primos ou vizinhos que talvez estivessem interessados e queriam ser eles a transmitir a notícia. Como não cabiam, gerou-se uma guerra de empurrões e de chega-para-ai que precisou de uma intervenção musculada do Padre Augusto. Além do mais, o Sr. Dessilva que estava com ele junto ao altar nunca poderia entrar na sacristia para dizer fosse o que fosse. Disse então o Padre Augusto em voz alta:
– Meus filhos, meus filhos, vamos a ter calma, como não cabem na sacristia, vamos aguardar que o Sr. Dessilva está aqui mesmo a meu lado e vai-vos falar aqui mesmo dentro da casa do Senhor. Deus há-de compreender a situação.
O Sr. Dessilva olhou para o padre Augusto e encolheu os ombros como que a dizer “Assim terá que ser.” Então, o Padre Augusto voltou ao ataque na tentativa de por ordem na multidão “Irmãos, por amor de Deus, aguardem que não cabe mais ninguém na sacristia. O Sr. Dessilva vai-vos falar aqui mesmo no corpo da igreja, por favor voltem aos vossos lugares e façam silêncio que o Sr. Dessilva vai falar.”
– Boa tarde, eu falar mal, desculpar se não perceber good. Pessoas ir no América Dessilva tratar de tudo, viagem no comboio e no navio pagar eu. Deixar filhos no aldeia, fundo pagar 20€ por mês cada crianço. Depois, chegar no América ter casa, comida e trabalho 5 anos, homens ir ganhar 150€ no semana e mulheres 120€ no semana. Depois do 5 anos, se arranjar outro emprego no América vai pagar 10% aos investidores.
­ Eu quero ir, por favor, leve-me a mim, salve-me desta miséria, não me deixe morrer aqui nem aos menus filhos – gritaram as pessoas fazendo um grande burburinho.
– Silêncio, silêncio que estamos na casa do Senhor – disse o Padre Augusto – Vamos ouvir o Sr. Dessilva um pouco mais sobre quem poderá ir.
– Não precisar pressa, pessoa escrever informação e, depois, eu ir escolher pessoa certa. Pessoa escrever em casa uma folha no nome, idade, nota da escola, de homem e de mulher, quanto filha tem, escrever morada, entregar em casa de Sr. Costa e eu avaliar.
Mas as pessoas não paravam de levantar o braço e de gritar cada vez com mais força “Eu quero ir, por favor, leve-me a mim, salve-me desta miséria, não me deixe morrer aqui nem aos meus filhos”. Assim, as pessoas não perceberam bem o que o Sr. Dessilva tinha dito mas o Padre Augusto remeteu-as para a folheto que estava à porta da igreja e em quem ninguém tinha reparado. Também, antecipando isso, distribuiu 10 cópias do folheto que tinha o Mariazinha mandado fazer de urgência.
Cá fora, aquelas 10 folhas deram origem a 10 pequenas multidões que se acotovelavam para se poderem informar sobre os pormenores da viagem.
Na melhor das hipóteses, o Dessilva tinha antecipado que haveria uns 100 casais interessados em partir mas, logo naquele Domingo, recebeu mais de 200 candidaturas e, nos dias seguinte, mais e mais centenas. No final da semana tinha mais de 500 candidaturas.
– Nunca pensar que tanta gente querer ir embora, é que receber mais de 500 candidatura – disse o Sr. Dessilva ao Sr. Costa ao jantar – mais de 1000 pessoa querer partir.
– Sabe Dessilva, eu também nunca o imaginei mas, realmente, as pessoas aqui têm uma vida muito dura, trabalham muito e por pouco dinheiro, sofrem constantes ataques das pessoas do Vale e, por vezes, são mesmo assassinadas. Se der uma volta pela aldeia vai ver muitas pessoas com fome e muitas crianças que morrem exactamente porque não têm o que comer. Se nestes montes há alguma coisa com fartura é a fome e a miséria, as pessoas nem roupa têm para vestir. A vida aqui é uma autêntica miséria. E como é que o Dessilva vai agora escolher os 30 casais? 

Capítulo seguinte ( 26 - A selecção)

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