domingo, 2 de agosto de 2015

26 - A selecção

Crime e Redenção 
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (25 - O anúncio)    




26 – A selecção
Nessa noite o Dessilva mal pregou olho. Como poderia ele escolher uns e deixar outros à sua sorte, condenado-os à miséria e, talvez, até a uma morte violenta?
O Dessilva não parava de pensar nas implicações da escolha “Escolhendo os 30 casais que vão para a América, estou indirectamente a escolher os casais que vão viver uma vida de miséria.”
Como esteve toda a noite às voltas com este dilema, mal o galo cantou e ouviu que havia barulho na cozinha, levantou-se e foi, ainda com o seu pijama vestido e o gorro na cabeça, naturalmente brancos, falar à cozinha com a Sr.a Celeste.
– Bom dia Dr.a Celeste.
– Harre que hoje o Sr. Dessilva madrugou! Levantou-se ainda primeiro que as galinhas!
– É que estou com um problema muito difícil que nem me deixou pregar olho. É que candidataram-se mais de 500 casais e só podem ir 30 para a América.
– E onde é que está o problema? Querem ir mas não podem!
– O problema é que tenho que escolher quem vai e, ao escolher uns, estou a condenar os outros à miséria.
– Sabe Sr. Dessilva, eu não vejo nenhum problema mas nem vou dizer nada sobre isso porque, se o Sr. acha que isso é um problema, quem sou eu para o contrariar? Mas digo-lhe uma coisa, vá falar com o Padre Augusto que ele tem solução para todos os problemas do Mundo e, no caso de não ter, logo pergunta ao Espírito Santo e ele avança com a solução.
– Foi exactamente isso que o Sr. Costa me disse ontem! A Celeste acredita mesmo que o Espírito Santo fala com o Padre Augusto?
– Tenho a certeza disso. Quando o Sr. Padre tem um problema cabeludo, anda como que perdido pela aldeia, sem comer até que o Espírito Santo se digne dar-lhe uma resposta, havia de o ver, parece alienado. Eu só penso que, se um dia o Espírito Santo está ocupado, o velhote morre de fome!
– Bem, este problema está-me mesmo a consumir, eu pensa que estava preparado para tudo mas isto de haver 1000 pessoas a querer ir-se embora colheu-me de surpresa. E, o pior, é que não tenho esperança nenhuma que o Padre Augusto tenha uma solução para este problema.
– Mas vá, vá lá mesmo que sem esperança, é que o Sr. Dessilva não tendo a solução para o problema, naturalmente, muito menos saberá quem a tem. Procure sem esperança e vai encontrar a solução ou talvez não, só Deus o sabe. Mas pior do que está nunca ficará.
– Sim, sim, pensando assim, tenho mesmo que ir. Vou então preparar-me para depois, mesmo sem ter qualquer esperança, ir falar com ele.
– Sim, e até pode ser que a solução não venha pela boca dele mas de qualquer coisa que lhe aconteça pelo caminho. E nunca sabemos quais são os desígnios de Deus, até pode acontecer que a Sua vontade seja que ninguém saia daqui e esta confusão na mente do Sr. Dessilva não passe da forma de o fazer, faz-me lembrar a Torre de Babel ...
– Olhe Sr.a Celeste que eu nunca tinha pensado nessa hipótese mas pode mesmo ser verdade!
Quando o Dessilva chegou a casa do Padre Augusto este estava mesmo de partida para a missa matinal que rezava todos os dias às 7h da manhã.
– Dessilva, venha comigo e aproveitemos para fazer os dois juntos essa mesma pergunta ao Espírito Santo. Quem sabe se não é durante as nossas orações que nos vai enviar a luz.
A missa, por ser num dia comum, correu rapidamente, nem 20 minutos e já estava acabada. No final, o Padre Augusto apontou ao Dessilva o altar “Venha cá, vamo-nos ajoelhar aqui os dois a pedir inspiração divina, venha cá, chame pela ajuda que ela virá.”
E ali ficaram os dois ajoelhados, curvados perante Deus, sem nada dizerem, 5 minutos, 10 minutos e ao fim de 15 minutos o Dessilva perdeu a paciência.
– Sr. Padre Augusto, já rezei tudo o que sabia e estou na mesma!
– Pois era esse mesmo o sinal que eu esperava de Deus. Agora que tomou consciência de que tem que fazer alguma coisa, já está preparado para o que lhe vou dizer. A sua inacção, não escolher quem vai porque pensa que estás a condenar quem fica à miséria, está a condenar todos à miséria. Mas de facto, quem os condenou não foi o Dessilva mas sim as circunstâncias. Agora, escolha quem escolher, em nada vai afectar de negativo a quem fica. Por isso, tem a obrigação de fazer uma escolha não para condenar a maioria à vida que já tem mas sim para levar esses 30 casais para outra vida melhor.
– Bem Sr. Padre Augusto, mas é uma grande responsabilidade, muitas pessoas dirão que eu fui injusto!
– O poder tem um lado agradável, o podermos mudar as coisas, mas tem um lado sombrio, o ter que ser exercido muitas vezes a favor de uns e contra outros. Deus enviou-o cá com o poder de salvar algumas pessoas e só tem que o exercer. E, no fundo, a questão não é salvar a pessoa A ou a pessoa B mas sim salvar todo um povo. Qualquer um que decida que é o escolhido para partir será um bom elemento pois, no caso de acontecer por aqui uma tragédia, vai de igual forma perpetuar a memória do nosso povo. Só lhe peço uma coisa, sabendo que as pessoas que têm mais filhos o fazem em cumprimento dos mandamentos de Deus, considere isso na hora da decisão.
O Dessilva ficou contente, realmente tinha visto luz. “Obrigado Sr. Padre Augusto, o Sr. fala mesmo com o Espírito Santo!”
Pelo caminho até casa o Dessilva foi matutando “Já sei, vou fazer um scoring e escolher os que tiverem melhor pontuação. Vou apontar para pessoas com 25 anos, boas notas na escola e muitos filhos. Calculo a idade média do casal, subtraio a diferença que vai para 25 anos, somo este número à nota média da escola e ainda somo o número de filhos. Isto vai funcionar bem e respeito o pedido do Padre Augusto.
Chegando a casa, o Sr. Dessilva procurou a Sr.a Celeste para lhe dar a novidade de que o Padre Augusto tinha resolvido o problema e foi para o quarto agarrar-se ao trabalho. Primeiro contou as candidaturas, as mais de quinhentas e, depois, começou a calcular o score. Ia escrevendo na borda de cada candidatura os resultados, a média da nota, o número de filhos e a média da idade do marido e da mulher e calculava o score que também escrevia. Cada cálculo tinha que ser cuidadoso e ser conferido para que não houvesse erro. Por causa deste cuidado, cada candidatura demorava o seu tempo de forma que, entre as 7h30 a que começou a trabalhar e as 12h30 a que a Sr.a Celeste disse que o almoço estava pronto, o Sr. Dessilva processou apenas 100 candidaturas.
– Sabe Sr.a Celeste, já ver 100 casais o que dizer que vai demorar tempo até sair resultado.
– Não sei como o Sr. Dessilva tem cabeça para estar tantas horas a ver papeis e a fazer contas. Se fosse eu, a minha cabeça já teria explodido.
– Não custar, ser meu trabalho em América, ver papeis ser meu trabalho. Eu trabalhar sócio no Jonas, eu trabalhar no loja e no papeis, Jonas trabalhar no oficina, Jonas fazer jóias muito bonita, Jonas ser artista muito bom.
Á hora do lanche já estavam 150 casais processados e, ao adormecer, o Dessilva já tinha passado os 250. Afinal, a classificação estava a ser mais rápida do que tinha pensado, mais um dia e estaria tudo feito.

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