quarta-feira, 12 de agosto de 2015

29 - A hora

Crime e Redenção 
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (28 - A caixa)    


29 – A hora
As aulas de inglês começaram mesmo na segunda-feira. Pouco antes das 18h30 lá estavam os 30 jovens que tinham sido seleccionadas para seguir na primeira viagem mais o Rúben que ia para Amesterdão, o António que seria o auxiliar do Sr. Dessilva na viagem e ainda, para assistir o Sr. Dessilva, dois jovens escolhidos entre os monitores da escola primária. Naturalmente, também lá estava o Sr. Dessilva porque seria ele o professor. As aulas seriam nos seis dias da semana, entre as 18h30 e as 21h30 para não colidirem muito com o tempo de trabalho. Claro que as mães tinham que deixar os filhos com alguém, com os avós, os irmãos mais velhinhos ou até mesmo com os vizinhos, mas era o sacrifício necessário para que, uma vez na América, conseguissem minimamente compreender a língua e a geografia da cidade onde iriam viver.
Os jovens, tendo sido escolhidos de entre os que tinham sido, no seu tempo, os melhores da escola primária, progrediram bem pelo que, aos fim de 4 meses, o Sr. Dessilva achou que já sabiam o suficiente para “desenrascar” pelo que estava na hora de enviar ao Jonas uma carta para que as questões burocráticas pudessem começar a mexer. É que, por um lado, eram precisas as 30 cartas de chamada e, por outro lado, o pagamento da viagem de navio. Indo nestes pensamentos a subir em direcção à casa do Sr. Costa, cruzou com o Dr. Acácio que ia a descer a caminho de sua casa que ficava no Vale. Sim, no Vale não havia só pessoa malvadas.
– Boa noite Sr. Dessilva, ainda bem que o encontro porque quero dar-lhe uma palavrinha de preocupação. É que lá em baixo as pessoas andam muito curiosas sobre o que se está a passar aqui por cima, anda tudo um pouco nevoso.
– Estarem preocupados e nervosos como se temos mantido segredo? Será que alguém andou a fazer publicidade do que se passa aqui? – perguntou o Sr. Dessilva.
– O problema não foi daqui. É que, soube eu agora, a carta que o Sr. Jonas enviou à Isabel foi intersectada pela polícia. Sabendo eles que alguém iria mandar uma carta de chamada para que esses jovens pudessem partir para América, sabendo-se que o Sr. Dessilva veio exactamente da América e que tem a escola onde ensinar inglês, bastou-lhes somar 2 mais 2 para descobrir que os jovens vão mesmo partir.
– Mas isso que importa aos do Vale?
– Aparentemente nada mas os terratenentes começaram a pensar que poderiam perder os jornaleiros que vão da aldeia trabalhar nas suas terras. Além disso, o Arquiduque irá perder o dinheiro que esses jovens pagam todos os anos. As pessoas estão nervosas, já se falando em “tomar medidas drásticas” o que não imagino o que seja. Por isso, aconselhava a que houvesse um certo secretismo sobre a partida.
– Mas não poder haver secretismo porque para irmos apanhar o comboio, precisamos passar pelo Vale!
– Quem o avisa seu amigo é, isso não vai ser possível, o Sr. Dessilva fale fale com o Costa a ver se organizam a viagem pelo Norte, bem sei que atravessar o monte vai ser difícil, mas vai ter que ser, atravessam do monte pelo Norte e vão apanhar o comboio directamente à cidade. Bem sei que não é uma viagem fácil, ainda são os 80 km por caminhos muito difíceis, mas penso que se estas pessoas todas aparecerem lá em baixo prontas para fazer uma viagem, vai-se gerar uma confusão qualquer. Seria uma tragédia que à última da hora um acontecimento evitável pudesse fazer abortar a viagem.
– Obrigado Sr. Dr., o senhor é um verdadeiro amigo deste povo. Deus há-de recompensá-lo.
– E digo-lhe mais, o melhor é partir antes da primavera pois, durante o Inverno porque ninguém conta que façam a viagem. Desconfio que, se esperarem pela primavera, vão-vos barrar o caminho.
O Sr. Dessilva despediu-se e continuou o seu caminho para casa onde, mal chegou, chamou o Sr. Costa para conferenciar.
– O Dessilva parece preocupado!
– E estou. Saiba o Costa que o Dr. Acácio está com medo do que possam fazer os do Vale quando souberem que vamos mandar pessoas para a América. Ele aconselhou a que atravessemos a montanha pelo Norte o que não é brincadeira nenhuma, subir muito, caminho ser muito mau e que a viagem ter que ser no Inverno mas ter muita neve e gelo.
– Sim, sim, pensando bem, devemos seguir os conselhos do Dr. Acácio – O Costa mostrou uma cara de desânimo para, quase imediatamente, se irradiar de esperança – Não vai ser fácil mas também não é nada do outro mundo, estamos a falar de jovens na força da vida pelo que fazem bem a travessia. Claro que seria mais fácil ir apanhar a estrada lá abaixo ao Vale mas faz-se bem mas esses jovens que estão habituados a calcorrear esses montes fazem a coisa sem qualquer dificuldade. Eu próprio já fiz essa viagem, são uns 80km , um jovem faz isso bem em 2 dias. O primeiro dia é o pior porque tem 20 km a subir até ao cimo do monte, já os 10km a descer até à aldeia que fica do lado de lá, a aldeia do Norte, fazem-se com uma perna às costas. No segundo dia fazem-se bem os restantes 50km até à cidade, até tem um estrada de terra batida. O Sr Dessilva é que talvez tenha algumas dificuldades porque já está um bocado carreado pela idade ...
– Eu estar novo, cheio de energia. O meu problema ser lobos do monte. Não ter lobos no monte? – perguntou o Dessilva.
– Sim, leva-se um burro para o apoiar e o Dessilva consegue fazer a viagem desde que não seja atacado pela doença das alturas. Para habituar o corpo à altitude vai até lá cima umas vezes com os pastores e resolve-se isso. Quanto aos lobos, levam-se 2 pastores com os cães, os lobos têm um medo terrível dos cães dos pastores por causa da coleira de espetos, não se vão sequer aproximar. Depois, são muitas pessoas. Estou a pensar em arranjar uns 20 burros para carregar os baús e a comida para a viagem. Bom era que fosse no tempo do Verão, quando os dias forem mais longos e mais quentes.
– Não Costa, não vamos poder esperar, a viagem vai mesmo ter que ser no Inverno para ninguém desconfiar de que a vamos fazer. Estamos em finais de Outubro, vai ter que ser lá para meados de Janeiro ...
– Isso Dessilva vai ser terrível, com a neve no monte, o dia torna-se noite muito cedo, pode chover ou nevar, mas tem razão, assim vai apanhar as pessoas de surpresa. Mas para isso vai ser preciso passar a comieira o mais tardar às 14h para a noite não cair com as pessoas desabrigadas.
– Vai ter que ser assim – disse o Dessilva.
– Depois, vai ser preciso convencer o estalajadeiro. O Dessilva vai ter que usar de toda a sua diplomacia. O mais certo é não os deixar pernoitar dentro da estalagem mas , como é boa pessoa e amante do dinheiro, arranja sempre um coberto e, como será só uma noite, aguenta-se bem.
– Então, o Sr. Costa podia começar a tratar dessa viagem? Arranjar os pastores e os burros pois vou amanhã mesmo pedir as cartas de chamada. O problema é que o Dr. Acácio disse-me que a polícia do Vale pode ler a carta.
– Não se preocupe, escreva a carta que amanhã mesmo de madrugada os pastores levam a carta e algum deles passa o monte e vai mete-la ao correio na aldeia do Norte. E a viagem, não se preocupe que isso arranja-se de um dia para o outro. Se, por exemplo, fosse para partir amanhã de madrugada, eu saia agora e, em meia hora, amanhã já poderiam partir. Toda a gente tem burros e não faltam pastores que conheçam o caminho. O Sr. Dessilva não se preocupe que vai tudo correr.
Quando os previstos 6 meses de ensino do inglês se começaram a aproximar do fim, o nível do inglês dos alunos tornou-se bastante razoável, também com pessoas inteligentes e aplicadas, um bom professor, 3 horas por dias, 6 dias por semana, não seria de esperar outra coisa. Nessa altura chegou uma carta vinda da América dirigida ao Sr. Dessilva. A Sr.a Celeste quando chegou o carteiro foi logo avisar o Sr. Dessilva.
– De certeza que é informação sobre as cartas de chamada e a viagem do navio.
O Dessilva abriu a carta que pouca coisa dizia por ter sido avisado pelo Dessilva de que a carta poderia ser lida pela polícia.
“Amigo Dessilva,
Aqui pela América está a correr tudo bem. Apesar de sentir a tua falta aqui no negócio, cá me vou aguentando. Já tratei da papelada dos 31 clientes que enviei ao Jacob.
Um abraço amigo
Jonas”
– Sr.a Celeste, as cartas de chamada já chegaram à Holanda. Vamos lá abaixo avisar o Costa.
A Sr.a Celeste foi a correr à frente para poder ser ela a dar a notícia ao Sr. Costa.
– Sr. Costa, há novidades, já chegaram as cartas de chamada pelo que, mais uns dias, as pessoas vão poder partir.
No entretanto chegou o Dessilva que confirmou que a viagem poderia arrancar.
– Sr. Dessilva, já está tudo tratado, tenho 20 burros com os almocreves, os 2 pastores com 4 cães cada e, além disso, já tratei de fazerem a abertura no muro.
– Abertura no muro mas para quê?
– Sabe Dessilva, A porta da aldeia só abre ao nascer do Sol e, apesar de daqui à aldeia do Norte serem apenas 30 km, agora no Inverno, não dá tempo para, saindo ao nascer do Sol, chegar à aldeia do Norte antes de ser noite fechada, não se consegue fazer a viagem em menos de 12 horas de marcha pelo que, vai ser preciso sair de madrugada para não serem apanhados pela noite. E imagine que acontece um imprevisto no cimo do Monte? Será uma tragédia. E o Dessilva lembre-se que quem vai marcar a marcha é a mais lenta das pessoas.
– Sim, sim, está a ter uma muito boa ideia, fica noite às 18h, retirando 12 horas mais 2 h de segurança, ter que sair às 4h da madrugada.
– Exactamente. Além disso, ao sairmos sem passar pela porta, o fiscal vai ficar a saber que saíram pessoas com burros preparados para atravessar o monte. Com a abertura no muro não só se sai mais cedo como ninguém vai saber de nada. Depois, refaz-se o muro.
– Muito boa ideia, nunca me lembraria disso.
Na aula desse mesmo dia, o Sr. Dessilva deu a novidade aos seus alunos.
– As cartas de chamada e os bilhetes para a viagem de navio já estão à nossa espera em Amesterdão. Como o navio parte dentro de 15 dias, temos que partir já. É que além do tempo de viagem até Amesterdão, uma vez lá, ainda vai ser preciso aguardar pela ordem de entrada a ser emitida pelo consulado americano. O melhor é partirmos depois de amanhã. E como temos que seguir pelo Norte, temos que partir bem cedo, no máximo às 4h da madrugada.
– Mas Sr. Dessilva, não podemos sair antes de a porta estar aberta o que apenas acontece quando o Sol nascer – disse um dos alunos.
– Não ir poder esperar pela porta abrir, vamos passar por um buraco no muro. Como vamos atravessar o monte pelo Norte, vai ser preciso que todas as pessoas levem duas mantas de pastor para aguentar o frio. Temos que partir bem cedo porque, com este frio, temos que passar o cimo do monte o mais tardar às 14h e, depois, chegar à aldeia do lado de lá do monte antes de se fazer noite. Não nos podemos atrasar, juntamo-nos aqui na escola o mais tardar às 3h30. Se alguém se atrasar, nós avançamos com a carga e a pessoa vai-nos tentar apanhar pelo caminho. Não vamos esperar por ninguém.
– O Sr. Dessilva desculpe, mas porque vamos atravessar o monte pelo Norte, que é bastante difícil de fazer neste tempo frio, quando podemos descer à aldeia do Vale e apanhar aí uma carroça para a estação de comboios? Nem precisamos de ir à Cidade, apanhamos o comboio no apeadeiro, e será muito mais rápido e fácil que fazer esta travessia pelo monte.
– Sim, sim, boa questão. Não poder ir no Vale, caso nós aparecessemos lá em baixo para apanhar os carroça, pessoas do Vale não deixar partir. Não esquecer que, cada pessoa que ir embora, é menos ouro que o Arquiduque receber e menos um jornaleiro para os terratenentes do Vale. Ser sacrifício mas tem que ser. Diz o povo que, “caminho mais fácil é a descer mas, se quer ir no cimo do monte, caminho fácil não servir”.
Todos abanaram a cabeça em sinal afirmativo.
–Sr. Costa já tratar de tudo, contratar pastores e burros para carregar. Vamos então agora até nossas casa pois já só temos um dia para as despedidas e para a preparação das coisa “See you tomorrow”.

Capítulo seguinte (30 - A facada)

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