Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (19 - A resposta)
20 – A carta
Como
a Isabel recuperou completamente, levantou-se e as pessoas foram imediatamente
à sua vida. “Mãe, vamos para minha casa para lermos a carta com calma a ver se
é mesmo isso e, caso seja, darmos a novidade ao Francisco”. Assim que chegaram
a casa, sentaram-se à volta da mesa da sala e a Isabel entregou à filha a carta
que levava na mão. “Lê, lê o que diz aí com cuidado para veres que o Jonas te vai
ajudar.”
–
Vamos então ver se a mãe não fez confusão.
Amiga Isabel, demorei a responder porque
a morada que usaste está desactualizada. É que agora vivo em Nova York pelo que
demorou algum tempo a receber a carta na minha nova morada.
Nem quero acreditar que já passaram quase
40 anos desde que dei notícias pela última vez e quase 50 desde que deixei a
nossa aldeia que tenho bem presente na minha memória. Não passa um único dia em
que não pense em vós pelo que fiquei muito triste ao saber que a miséria
continua viva por aí e que os do Vale continuam maus. Com o progresso que ouvimos
falar que tem acontecido um pouco por toda a Europa, pensei que isso fossem
coisas do passado mas vejo que não. Também fico triste por saber das tragédias
que vitimaram a Júlia e, mais recentemente, a tua filha que não cheguei a
conhecer porque nasceu já eu estava aqui. Apenas posso dizer que a vou ajudar na
medida do que me for possível.
A minha vida, no sentido profissional,
correu bem mas, na parte familiar, não posso dizer o mesmo. Como sabes, na
Holanda aprendi a arte da ourivesaria, conhecimento que, uma vez na América, me
permitiu, com a ajuda de um sócio, estabelecer-me e desenvolver uma oficina que
hoje é muito conceituada. Tenho tido muito sucesso a ponto de ter actualmente
18 pessoas a trabalhar comigo e que não chegam para as encomendas. Mas em termos
familiares, as coisas correram-me mal. Casei-me com uma americana e os costumes
daqui são diferentes dos dai. Primeiro, tive 2 filhos mas a minha mulher,
alegando que eu trabalhava de mais, deixou-me e levou as crianças com ela. Depois,
apesar de ter mantido contacto permanente com eles, já não tenho contacto com as
minhas crianças há vários anos já nem sabendo onde vivem.
A minha idade vai avançando e, como os
meus filhos não têm qualquer interesse no meu negócio, estava a pensar desfazer-me
dele mas, agora que recebi a tua carta, como que me sinto renascido. Estou a
ver o teu neto como a pessoa de confiança que eu preciso a trabalhar aqui a meu
lado, uma pessoa que foi criada e educada como eu. Por isso, preciso
imediatamente desse jovem mas ele, antes de vir para cá, precisa aprender a
arte da ourivesaria.
–
Mas mãe, como é que o Rúben vai poder aprender a arte da ourivesaria se não
temos por cá ninguém que o possa ensinar? Isto é uma forma educada de dizer que
não o quer lá.
–
Calma filhinha, lê a carta até ao fim porque não nos podemos esquecer que o teu
tio mandou o dinheiro.
O vale postal de 3250€ que te envio é
para materializar as coisas. Primeiro, mando 250€ para ti e para o meu irmão
que se sacrificou para que eu pudesse ir para Amesterdão e como agradecimento
por me teres chegado estas informações mesmo que tristes. Depois, mando 1000€
para a tua irmã Júlia para ver se consegue melhorar a sua vida. Finalmente, mando
2000€ para a tua filha para que possa fazer face às despesas enquanto o Francisco
não conseguir trabalhar e para mandar o Rúben até Amesterdão onde vai ser
aprendiz na mesma oficina onde eu trabalhei.
Agora as instruções para a viagem do
Rúben. Tem de ir de comboio até à Estação Central de Amesterdão. Uma vez lá, só
tem que procurar pela oficina do Mestre Jacob que é muito conhecida e cuja
oficina fica a menos de 1200m da estação de comboios. Como o Rúben não sabe
holandês, o melhor será escrever esta direcção num papel,
"Meester goudsmid
Jacob, Jodenbreestraat",
de forma que a possa mostrar às pessoas. Precisa
apenas de levar a roupa do corpo pois, uma vez lá, eu já tratei de tudo, da
roupa, do alojamento e da alimentação que são por minha conta. A criança vai
ficar dois ou três anos a aprender e, quando estiver preparada, eu pago-lhe a
viagem para vir ter comigo e, depois, ficará a viver em minha casa como se
fosse meu filho.
Finalmente, aqui estamos sempre a dizer
que vivemos em crise mas, mesmo assim, os salários são cinco ou seis vezes o
valor que referiste como sendo o rendimento do Francisco. Um homem sem saber
fazer nada de especial ganha facilmente 150€ por semana e uma mulher 100€ por
semana. Como tenho as pessoas da nossa aldeia no coração e porque temos falta
de pessoas sérias e de confiança, estive a falar na confraria e estamos
disponíveis para receber 30 casais jovens que sejam trabalhadores e tementes a
Deus. Bem sei que a viagem é bastante cara para os rendimentos dai mas é um
investimento que pode ser rapidamente recuperado.
Espero receber em breve mais notícias tuas,
dos meus irmãos, da Júlia e das demais pessoas dai. Despeço-me agora com muita
amizade e carinho.
Do teu cunhado Jonas.
–
Terminou.
–
Filha, as notícias são muito boas. Mas confesso-te agora que, apesar de todas
as noites pedir a Deus para que te ajudasse, cheguei a pensar que nunca obteria
resposta não por o Jonas não te querer ajudar mas por já estar morto. É que
foram mais de 30 anos sem notícias. E com o passar dos dias, a minha esperança também
foi diminuindo até que, hoje, quando passei por aqui para te pedir que me acompanhasses,
cheguei a pensar que era apenas a minha carta devolvida a dizer que a pessoa
era desconhecida. Mas agora o que interessa é que segui o ensinamento da minha mãe
que dizia “Quando as coisas parecem impossíveis, se tentares e falhares não vem
muito mal ao mundo mas também pode acontecer um milagre, o certo é que se não tentares,
nunca conseguirás.” E consegui. , mesmo contra toda a esperança, tentei e consegui
o que parecia impossível, consegui muito mais ajuda do que imaginei no melhor
dos meus sonhos.
–
Sim mãe, mas não lhe parece mal eu mandar o Rúben como quem manda um gato? No
fundo estou a vendê-lo por 2000€.
–
Não filha, não penses nisso, o Jonas vai tratar a criança como se fosse filho
dele e não te podes esquecer que a alternativa era deixá-lo morrer de fome.
Mesmo que o Jonas o reduzisse à escravatura, seria sempre melhor do que ficar
por aqui a morrer de fome e ainda vais salvar as tuas outras crianças da morte.
E quem sabe se, daqui a 3 ou 4 anos, ele não chama os irmãos para junto dele.
– Minha
mãe, vendo as coisas dessa forma, temos que ver aqui um milagre semelhante à
abertura das águas do Mar Vermelho quando o povo judeu fugia da morte certa no
Egipto.
Capítulo seguinte (21 - O dinheiro)
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