Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (39 - O acidente)
40 – A oportunidade
Nessa
noite não houve mais barulho e, no dia seguinte, as pessoas levantaram-se bem
cedo e foram trabalhar como se nada tivesse acontecido durante a noite anterior,
ninguém dizendo uma única palavra sobre o acontecido. Como a janela por onde
foram atiradas as pessoas ficava para as traseiras, para um fosso de ventilação,
só quando o dia estava alto é que alguém da vizinhança foi à janela e reparou
que havia três corpos lá no fundo. Veio a polícia que recolheu pistas no
sentido de descobrir de onde teriam caído os corpos o que, por causa das
barbas, foi uma tarefa fácil. Bateram à porta do apartamento mas, como não
estava ninguém, foram à obra falar com o António.
–
Bom dia, o Sr. António Espírito Santo reconhece estas pessoas? – os polícias
mostraram-lhe as fotografias dos 3 cadáveres.
–
Conheço sim, moram, na mesma casa que todos nós – e apontou para os
companheiros que estavam a trabalhar na obra juntos dele – ou melhor, estou a
ver que moravam!
–
E o Sr. faz ideia do que aconteceu que fez com que estas pessoas, hoje de
manhã, tivessem sido encontradas neste estado?
–
Não sei de nada Sr.s Polícias, não sei de nada, trabalho muito pelo que tenho o
sono pesado, deve ter sido esta noite pois ainda ontem falei com essas pessoas
mas, não dei conta de nada. O mais certo é terem sido vítimas de um acidente
qualquer, talvez a pôr a roupa a secar e talvez eu já não estivesse em casa. Os
acidentes estão sempre a acontecer!
–
Mas os vizinhos dizem que a meio desta última noite, no apartamento onde o
senhor mora e de onde estas pessoas caíram, houve muita confusão, muito barulho!
–
Não sei de nada. Sei que essas pessoas, normalmente, quando chegavam a casa
faziam muito barulho e ontem não deve ter sido um dia diferente mas, como já
lhes disse, não ouvi nada. Ontem estava particularmente cansado e, como já
estava habituado ao barulho, nem dei por nada. É que eu trabalho muitas horas,
trabalho aqui 12h por dia, seis dias por semana o que, como podem ver, sendo um
trabalho cansativo, quando me deito na cama, adormeço profundamente. Se, por
exemplo, me deitasse agora aqui no meio do chão, era capaz de adormecer imediatamente.
–
E o que é que as pessoas disseram antes de terem caído da janela? É capaz de me
dizer alguma coisa pois as pessoas referem que falaram muito mas que não perceberam
nada por falarem uma língua desconhecida!
– Como
já lhes disse, eu não ouvi nada, sai de manhã bem cedo sem nada saber e, se não
fossem agora os Sr.s Polícias me virem com a notícia, ainda nada saberia.
Depois,
os polícias foram falar com os outros homens que estavam na obra tendo mesmo o
marido da Órfã, uma das vítimas, dito que, porque ouvia mal, não tinha dado
conta de nada, de manhã deu conta que a mulher não estava em casa mas tinha pensado
que tinha ficado a fazer o turno da noite. Mais tarde, a polícia falou com a Ana,
a mulher do Joaquim, e com a mulher do Aires que também disseram não ter dado
conta de nada.
–
Como é possível que ninguém tenha ouvido nada? – perguntavam os polícias uns aos
outros. Os peritos entraram no apartamento, e ficaram admirados por, havendo 31
pessoas naquele espaço, “ninguém ter dado conta de nada”. “Esta história está
muito mal contada, devem estar todos implicados no assunto”. Mas, depois de
tentarem recolher indícios de algum crime, não conseguiram descobrir nada. “Se
soubéssemos o que os mortos disseram antes de cair, talvez tivéssemos alguma
pista mas, como ninguém da vizinhança compreendeu o que foi dito, estamos no
escuro.”
Desta
forma, passados alguns dias, as mortes tiveram que ser classificadas como Queda
Provavelmente Acidental. “Talvez uma pessoa tivesse caído por estar alcoolizada
e as outras, também alcoolizadas, procurando saber onde ela estava, tivessem ido
atrás.” Não parecia muito plausível mas, por um lado, a cortina de silêncio não
permitia pegar em nenhum fio da meada e, por outro lado, também eram apenas 3
desgraçados, imigrantes miseráveis que, se não interessavam aos seus, muito
menos interessavam aos americanos. Então, veio o resultado final: “Caso Arquivado”.
Se
antes a regra era o barulho e a confusão, desde aquela noite, a regra passou a
ser a paz e a harmonia e, no trabalho, os europeus recomeçaram a ser vistos
como trabalhadores de confiança.
O
António tinha remorsos por ter matado 3 pessoas assim de uma assentada. Pensava do
tempo em que eram pequeninas a correr e a brincar pelas ruelas da aldeia, a perseguir
e a apanhar borboletas no monte, a pescar nos riachos, como eram inocentes
aquelas crianças! Depois, tinha-os visto tornarem-se jovens, cheios de brio,
energia e força, nos encontros do “puxar a corda” e a trabalhar, a pastorear as
ovelhas e as cabras pelas encostas agrestes, a lavrar o campo. Como dançavam e
cantavam nos dias de festa. Recordava-se de lhes ter vendido a carne para os seus
casamentos e para os baptizados dos filhos, de os ter como companheiros na
escola de inglês, com tanto empenho, tanta esperança num futuro melhor e tudo
isso terminou com um grito de 2 segundos.
No
fim da semana, o António foi pagar a renda ao Sr. Dacosta, tendo aproveitado
para agradecer “a paciência destes últimos meses.”
– Agradeça
antes ao Jonas – Disse o Dacosta.
Depois
destas palavras, o António não podia adiar mais ir justificar-se junto do Sr.
Jonas. “Não sei como isto vai correr, sempre era sobrinho dele”. Mas, apesar do
receio, tinha que ir para tentar desbloqueava o problema das cartas de chamada.
–
Boa noite, Sr. Jonas, por favor, estive há bocado a pagar a renda e o Sr.
Dacosta disse que eu precisava falar consigo, agradecer-lhe o facto de não
termos sido despejados por causa do barulho!
–
Ai esse homem, o Dacosta! Realmente, há uns meses, ele veio-me dizer qualquer
coisa sobre o despejo mas era apenas conversa. Ele até já veio falar comigo, envergonhado,
para me agradecer ter-lhe metido juízo na cabeça, era o que faltava, despejar
os nossos irmãos com a renda em dia!
– Muito obrigado Sr. Jonas pela compreensão
até porque o seu sobrinho perdeu a vida no acidente!
–
Não te preocupes com esse que já é passado, teve uma oportunidade e não a soube
aproveitar. Deixemos isso que já passou, olhando agora para o futuro, parece que
já está tudo novamente bem encarreirado!
– Pela
nossa parte está totalmente encarreirado e por isso é que falamos lá em casa se
não seria possível mandar vir os que ficaram à espera de fazerem a viagem. Talvez
o Sr. Jonas pudesse com o Sr. Levinstone, o Sr. Goldman e o Sr. Dacosta a ver
se seria possível mandar as cartas de chamada e organizar a viagem!
– Da
última vez que falei com eles, a coisa estava feia mas está certo, Domingo,
depois da missa, vamos os dois falar com eles a ver o que têm a dizer. No
fundo, eles têm o dinheiro da viagem empatado na minha mão e não estão a tirar
nenhum benefício disso.
No
Domingo, como combinado, no fim da missa, o António e o Jonas intersectaram
primeiro o Levinston.
– Bom
dia Levinston, estava eu aqui a falar com o António a ver se seria possível
mandares, como prometido, as cartas de chamada para os que ficaram para trás!
Como sabes, eu prometi que poderiam vir 30 casais e ainda só viera 15! – Disse
o Sr. Jonas
– Sabes
que houve problemas na obra, havia uns fulanos que não faziam nada, roubaram ferramentas
e materiais ... aquilo foi um 31.
–
Sim Sr. Levinstone, mas como já deve ter sabido, essas pessoas morreram e esses
valores roubados já foram repostos!
–
Eu sei, eu sei, era isso que eu ia dizer, aquilo foi um 31 mas, desde que ouve
o tal acidentem, nunca mais tive problemas, estou muito contente com as
pessoas, se esses que estão lá à espera das cartas de chamada forem como os 14
que agora tenho ...
– Garanto-lhe
que são trabalhadores, tementes a Deus e cumpridores da sua palavra, dessa
espécie não vai aparecer mais nenhum e, se aparecer, vai pelo mesmo caminho –
disse o António.
– Se
o António me garante isso, podemos então avançar com esses 15 homens, só espero
que venham o mais rapidamente possível pois trabalho não me falta desde que
seja, como combinado, a 3,50€/h. Como sabe, tenho que pagar a viagem, os papeis
e ainda estou a financiar parte das mesadas que o Dessilva entrega às crianças
lá na aldeia.
–
Eu compreendo, Sr. Levinstone, as condições são essas e, se alguém não as
quiser aceitar, fica lá.
– Vamos
então falar ao Goldman por causa das raparigas! “Goldman, anda cá! Precisamos
dar-te uma palavrinha sobre as raparigas!”
–
Que se passa Levinston? Mas que raparigas?
–
Estamos aqui a falar em mandar vir as 15 mulheres que estão lá na aldeia à
espera da carta de chamada, eu tenho trabalho para os rapazes! Achas que
arranjas trabalho as raparigas?
–
Se arranjas para os homens, eu arranjo para as mulheres mas gostava de meter um
sócio, alguém da confraria que esteja disponível, um jovem que tenha energia
pois eu já estou a ficar cansado – disse o Goldman.
–
Estou aqui a pensar em nomes – disse o Jonas – naquele rapaz novo, como é que
se chama, o filho do, do, do Aaron, o que acabou agora os estudos na
universidade, o rapaz vem sempre à missa e é muito dinâmico, penso que te podia
ajudar muito até porque tem estudos. No outro dia estive a falar com o pai que
me disse a vontade do filho em estabelecer-se, o problema é que não tem dinheiro
para investir!
– Dinheiro
não é problema porque estou a pensar usar as mesmas máquinas e instalações
abrindo o turno da noite. Fica então assim combinado, eu meto as raparigas e
logo à tarde vou falar com o Aaron para acertarmos a coisas com o filho. Agora
ainda é preciso falar com o nosso outro sócio, temos que falar com o Dacosta
para arranjarmos o apartamento “Oh Dacosta! Anda cá que precisamos de ti!”
–
Mas que se passa – disse o Dacosta enquanto se aproximava – isso já parece uma
manifestação!
–
E que estamos aqui a combinar a vinda de mais 15 casais mas precisamos de um
apartamento!
– Querem
mandar vir 30 pessoas? E porque não 36? Há 4 lugares livres no apartamento
actual e arranjo um novo para 32 pessoas, arranjo o apartamento mesmo ao lado,
ficam com as entradas encostadas mas o preço terá que ser o mesmo, 1500€ por
semana!
– OK,
combinado, ninguém está a regatear o preço!
–E
ainda tens dinheiro para a viagem? – perguntou o Levinstone ao Jonas.
– Penso
que ainda tenho mas deixa-me fazer contas, eu entrei com 50 mil e o Dessilva
com outros 50 mil e esse dinheiro está lá para ir pagando as despesas. A viagem
de navio custou 3250€ cada um, somou pouco mais de 100 mil. Por isso, ainda
tenho quase 100 mil, para 36 bilhetes, realmente, é capaz de não chegar, vocês não poderão arranjar um reforço de 25 mil euros!
–
Não tem problema, nós entramos com o dinheiro, vamos fazer assim, eu e o Goldman
entramos com 10mil e o Dacosta com 5 mil, concordam?
O
Goldman e o Dacosta acenaram que sim com a cabeça.
– Vou
então começar a organização a viagem. Agora, tenho outra propostas, vindo estas
36 pessoas, vamos ficar em minoria na confraria. Como agora está tudo calmo, vou
organizar um passeio onde nos possamos conhecer melhor!
Capítulo seguinte (41- A noticia)
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