Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (42 - O lucro)
43 – O mistério
Apesar
das cartas de chamada, da garantia de que as pessoas tinham emprego e
alojamento garantidos e de haver algum fundamento na lei para que os vistos
fossem emitidos, as dificuldades eram mais do que muitas. Então, o Levinstone,
mesmo contra os seus princípios, teve que seguir o conselho do Jonas, mediante um
suborno de 1000€ por cabeça a um funcionários bem colocado, as dificuldades
desapareceram. Com os vistos na mão e trabalho lucrativo para as pessoas da
aldeia, no terceiro inverno fizeram-se 5 viagens que somaram 160 jovens e
algumas dezenas de crianças o que implicou um investimento ligeiramente superior
a 600 mil €. Mas foi um bom investimento pois os lucros aumentaram de 10000€
por semana para 35 mil € por semana.
No
quarto Inverno, movidos pela ganância do Levinstone, do Goldman e do Dacosta, a
chegada dos jovens acelerou ainda mais. O Sr. Costa saia da Aldeia na segunda
feira de madrugada, pernoitava na estalagem e, na terça feira à noite chegava à
cidade onde os jovens e algumas crianças embarcavam na carruagem de carga.
Depois, voltava para a aldeia onde chegava na quinta - feira à noite, começando
imediatamente a preparar a viagem da próxima segunda-feira.
As
pessoas partiam no comboio da teça-feira à noite e, na quinta-feira, quando
chegavam à fronteira, estava lá o Sr. Dessilva à espera, para o caso de haver
algum problema. Depois, seguiam até Amesterdão na companhia do Sr. Dessilva que
tratava do embarcar das pessoas no transatlantico. Tudo feito de forma célere
para que pudesse estar na fronteira na quinta-feira seguinte.
Semana
após semana, a aldeia perdia 32 jovens e algumas crianças, sempre mais do que
10, que se iam reunir com os pais.
O
Dacosta já geria um prédio inteiro, com mais de 20 apartamentos e estava a
negociar outro. O Levinstone, além da construção civil, tinha expandido os seus
negócios para a metalomecânica e o Goldman tinha crescido enormemente estando
agora a fornecer fardas para a polícia.
Os
lucros eram enormes pelo que, mais e mais pessoas foram sendo chamadas, a ponto
de as viagens se terem prolongado pela Primavera, pelo Verão e, novamente, pelo
Outono e novamente pelo Inverno sem interrupção. Saiam tantos jovens a ponto de,
na Aldeia, praticamente deixar de haver pessoas com idades entre os 20 e os 30
anos. O Estalajadeiro, o chefe da estação, o funcionário da imigração, o
Levinstone, o Goldman e o Dacosta parece que tinham encontrado uma mina de
ouro.
Uma
certa quinta-feira, o Dessilva estava na fronteira e, quando chegou o comboio, ficou
estranho de não vir atrelada no fim a carruagem de carga que deveria trazer os
jovens em transito para a América. Foi falar com o chefe da estação alegando
que estava à espera de uma carga que não tinha chegado.
–
Realmente, eu sei que todas as semanas vem uma carruagem com carne de porco
salgada cujo destino é Amesterdão e o destinatário é o Sr. Newman Dessilva mas hoje,
estranhamente, não veio nada. Acho estranho até porque o meu colega costuma
sempre mandar um telex a anunciar que a mercadoria foi verificada não
precisando de ser vista e hoje não disse nada. Deixe que eu mando um telex ao meu
colega da estação onde a carruagem costuma ter origem.
Passado
um pouco, veio um funcionário trazer um papelinho ao Sr. Dessilva com o telex
que tinha chegado e que dizia apenas que “O fornecedor, o Sr. Costa, não apareceu.
Vieram hoje dois almocreves à estação dizer que estão à espera que o Sr.
Dessilva venha para tentar resolver o problema grave que aconteceu com a
mercadoria.”
O
Dessilva ficou preocupado. “O que será que poderá ter acontecido? O mais certo
é que as pessoas tenham sido interceptadas à chegada da aldeia do Norte e
reenviadas para o Monte. Tenho que partir imediatamente.”
Quando
o Dessilva chegou à Cidade, ao descer os dois almocreves que vieram da aldeia
tentar encontrar o Sr. Dessilva viram-no do fundo da estação e desataram a
correr.
–
Sr. Dessilva, Sr. Dessilva, Sr. Dessilva, graças a Deus que veio – gritaram os
almocreves enquanto corriam para junto do Dessilva. Neste momento criou-se um
certo rebuliço pois os almocreves não podiam entrar no cais de embarque antes
de receberem ordem.
– Calma,
calma, estou aqui, as malas estão aqui dentro – disse o Dessilva com a mão no
ar também para acalmar as restantes pessoas.
– Sr.
Dessilva, Sr. Dessilva, aconteceu uma tragédia, uma tragédia terrível. Aconteceu
o pior – gritaram ainda à distância os almocreves. Os outros almocreves, com os
burros, também se foram aproximando a passo ligeiro da carruagem do comboio
onde era preciso ir buscar as malas dos outros passageiros.
–
O quê, o que estão para aí a dizer? – É que, como as viagens estavam a correr
tão bem, o Dessilva já se tinham esquecido da contínua ameaça que pairava sobre
as pessoas da aldeia.
–
Mataram quase todas as pessoas da aldeia, ainda fugiram algumas para o monte
mas a maior parte morreu, nem o Padre Augusto escapou!
Como
as outras pessoas que estavam no cais ouviram a conversa, gerou-se um
burburinho “Mataram quem? Quem é que morreu? De que aldeia está ele a falar?”
–
Isto não é nada, estes meus carregadores estão a delirar, estão com muita febre
e já não comem há vários dias pelo que não dizem coisa com coisa – e, em
simultâneo piscou o olho aos almocreves a quem disse baixinho, pensando mesmo
que estavam a delirar, “Chiu que esta gente não pode ouvir isso que estão a
dizer, vamos falar ali para o fundo. Moços, carreguem as malas e vamos lá para
fora.”
O
Dessilva não acreditou em nada do que os almocreves tinham acabado de dizer
querendo apenas saber o que tinha acontecido, porque a viagem não tinha sido
feito e onde estava o Sr. Costa.
– Já
lhe dissemos Sr. Dessilva, não houve viagem porque mataram as pessoas- O Sr.
Costa está de cabeça perdida, anda pelo monte à procura da Menina Dulcinha que
não se sabe se está vivo ou morta. Precisamos da ajuda de alguém pois, neste
momento, as pessoas que conseguiram fugir andam perdidas pelo monte, centenas,
sem terem abrigo nem o que comer.
–
Arranjem então os burros para partirmos imediatamente para a estalagem que
ainda temos muitas horas de viagem.
–
Mataram tanta gente, velhos novos e crianças – não se cansavam os almocreves de
repetir como que em estado de transe.
–
Isso não pode ser, vocês estão a confundir, mas vocês viram isso? Viram alguém
morto?
– Bem,
nós não, pois não chegamos a ir à aldeia. Depois de termos deixado as pessoas no
comboio, fizemos a viagem de retorno com o Sr. Costa e, já no meio do monte, encontramos
pastores que nos disseram para não voltarmos para a aldeia porque tinham-na
destruído e matado quase toda a gente. O Sr. Costa não acreditou pelo que nos
aproximamos um pouco da aldeia para vermos o que se tinha passado mas, no
entretanto, cruzamos com muitas pessoas que vinham a fugir e tivemos medo. O
Sr. Costa continuou viagem sozinho a ver se sabia notícia da filha.
–
Eu não me acredito, onde é que estão essas pessoas que fugiram?
–
Estão no monte Sr. Dessilva. O Sr. Dessilva precisa fazer um milagre para que
não morra toda a gente, são precisos cobertores e comida.
– Só
posso actuar de+pois de saber o que realmente aconteceu, Temos, tenho, que ir
até lá para ver com os meus próprios olhos.
“Claro
que poderia ter havido uma ataque e que poderia ter havido mortos mas quase todas
as pessoas? Isso era impensável, era impossível, matarem milhares de pessoas
sem mais nem menos? Aquela notícia tinha que estar exagerada e em muito.” – pensou
o Dessilva.
Chegaram
à estalagem já noite fechada. O Dessilva tentou saber notícias junto do estalajadeiro.
Realmente dizia-se que tinha acontecido algo na aldeia do Monte mas ninguém
tinha visto nada. Eram um diz que disse de que tinham matado “quase todas as
pessoas”. Mas não havia confirmação de nada.
No
dia seguinte, ainda o Sol não tinha nascido, o Sr. Dessilva partiu com os dois almocreves
em direcção ao Monte. Partiram mesmo sem a protecção de pastores imaginando que a
veio da viagem encontrariam alguém com cães.
Apesar
de não acreditar de que tivesse acontecido uma tragédia como a relatada, o Sr. Dessilva,
decidiu que “à cautela, vamos levar cobertores para podermos passar a noite ao
relento e mantimentos que dêem para 5 dias, suficientes para a viagem de ida e de
volta.”
Quando
chegaram ao cimo do monte, ainda não eram 12h, avistaram ao longe um rebanho de
ovelha com dois ou três pastores. O Sr. Dessilva tirou uma luneta do bolso para
tentar descobrir se os pastores eram realmente da aldeia. “Vamos ao encontro deles
que são dos nossos, assobiem-lhes!” Como os pastores estavam já na encosta, passado
pouco mais de meia hora, deu-se o encontro com o primeiro pastor.
–
Então o que se passou lá em baixo? – perguntou o Dessilva.
–
O Sr. Dessilva nem vai acreditar, mataram toda a gente e levaram as ovelhas e
tudo de valor que havia na nossa aldeia. Neste momento só lá estão os militares
que vieram do Vale.
Capítulo seguinte (43 - A destruição)
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