Crime e Redenção
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (40 - A oportunidade)
41 – A notícia
Na
aldeia, apesar de se saber que a viagem estava suspensa “por causa de um problema
que o António há-de resolver”, o Dessilva continuava a dar as aulas de inglês como
se, a qualquer momento, fosse chegar a ordem de marcha para os 15 casais de
jovens que foram seleccionados para a segunda viagem. Todos os dias ao jantar o
Dessilva dizia “Amigo Costa, temos que acreditar pois a esperança tem que ser a
última a morrer”. No entanto, como o passar dos meses, as pessoas começaram a
desconfiar que o “problema” que o Sr. Dessilva tinha referido no dia em que
voltou era mais grave do que anunciado e que, o mais certo, seria o António não
ser capaz de o resolver. O desânimo minava porque, estando previsto que a
segunda viagem seria 6 meses depois da primeira, decorridos já 9 meses ainda
não havia qualquer ideia de quando poderiam partir. Além do mais,apesar de o
Dessilva dizer continuamente de que “A ordem de marcha vai chegar a qualquer
momento”, via-se na sua expressão facial que não ia ser assim.
“Será
que falhei na escolha do António? Será que, contrariamente ao que eu avaliei, o
António é incapaz de resolver o problema?” pensava o Dessilva.
Mas
um dia, ainda o Sol não tinha nascido, alguém bateu energeticamente à porta do
Sr. Costa gritando “Sr. Costa, Sr, Costa, tem aqui uma carta da América
dirigida ao Sr. Dessilva”. É que o Polícia Vieira, sabendo da preocupação das
pessoas, tinha enviado ainda de noite uma pessoa do Vale trazer esta carta à
porta da aldeia, a partir da qual, um moço foi a correr levar à casa do Sr.
Costa para que o Sr. Dessilva a pudesse ler imediatamente. Foi a Sr.a Celeste
que abriu a porta que já estava na cozinha a preparar o pequeno almoço.
–
Bom dia moço, o que se passa então?
–
Tenho esta carta que chegou hoje mesmo da América e que vem dirigida ao Sr.
Dessilva!
– Uma
carta! Mas a porta ainda está fechada!
–
O Polícia Vieira mandou-a por um paquete!
–Dá-ma
então cá e pega 50 cêntimos que eu mesmo a entrego ao Sr. Dessilva.
Mesmo
sabendo que o Sr. Dessilva ainda estava a dormir, a Sr. Celeste foi bater-lhe à
porta do quarto. “Sr. Dessilva, Sr. Dessilva, acorde se faz favor porque chegou
agora mesmo uma carta da América. Devem ser as boas notícias de que estamos
todos à espera!”
–
Entre, entre Sr.a Celeste, esperemos que sejam boas notícias!
O
Dessilva abriu a carta a medo pois poderia ser a dizer que o problema com o
Joaquim tinha piorado e que, por mais, mais ninguém poderia partir. A carta era
curta e codificada para evitar a intersecção da informação pelas autoridades do
Vale:
Amigo Dessilva,
Quando meti os teus 31 peixes no lago,
houve alguns que não se adaptaram, batiam contra as paredes e mordiam os
outros. Acontece que, uma noite, aqueles a quem chamavas Joaquim, Aires e Órfã
saltaram do lago e acabaram por morrer. Agora, como o lago tem capacidade para
64 peixes, vai ser preciso adquirir mais 36. Só é preciso que me mandes a lista
dos que queres para que eu os possa adquirir.
Um abraço do teu amigo Jonas
–
Graças a Deus que são boas notícias, os jovens vão poder partir e mais do que
os previstos, vou ainda ter que ir à lista dos suplentes buscar mais 3 casais!
Mas também estão aqui más notícias, o Joaquim, o Aires e a Órfã morreram, não
sei em que circunstâncias, mas vai ser preciso alguém avisar as famílias e
talvez pedir ao Padre Augusto para que dobre o sino e reze uma missa em
respeito pelas suas almas – disse o Dessilva.
– Demos
graças a Deus – repetiu a Sr.a celeste - eu trato disso mas antes vou ter que
avisar o Sr. Costa!
Quando
nessa mesma manhã o sino dobrou a dobrar, toda a gente ficou a saber que morreu
alguém pelo que se procuraram informar. Como o Sr. Dessilva nunca falou dos
problemas, a notícia que circulou foi que “Houve um acidente na América no qual
morreram o Joaquim, o Ariel e a Órfã, paz às suas almas.”
O
Sr. Dessilva, depois de confirmar quais as pessoas iriam seguir viagem,
escreveu numa carta a lista dos 36 nomes e pediu que alguém, no dia seguinte, a
fosse levar à Aldeia do Norte para que no Vale ninguém ficasse a saber que os
jovens iriam emigrar.
No
dia seguinte bem cedo, dois pastores fizeram-se ao caminho para Norte com o fim
de meter a carta ao correio. Também muitas pessoas aproveitaram para enviar
notícias para os seus familiares que estavam na América havia 9 meses sem
novidades da aldeia. Porque o tempo estava bom, ainda estávamos no princípio do
Outono, a viagem correu muito bem. Por 10€, os pastores passaram a noite numa
arrecadação da estalagem e ainda comeram uma sopa quente que, com o que
levavam, fez um bom jantar. No dia seguinte, antes do pôr do sol já estavam de
volta à aldeia.
Nessa
noite ao jantar, o Dessilva fez uma proposta ao Sr. Costa.
–
Sabe Costa, estou com esperança de esta viagem não vá ser a última e, como já
estou a ficar um pouco gasto, vou ter que arranjar alguém mais jovem que
acompanhe os jovens na nas próximas viagens principalmente na parte da
travessia do monte!
– O Sr. Dessilva acha mesmo que mais pessoas
poderão partir para a América?
–
Penso que a pior parte está feita. Estando resolvido o problema do Joaquim, se
estes 36 que vão nesta segunda viagem se comportarem bem, conhecendo eu como o
Levinstone, o Goldman e o Dacosta gostam de ter lucro, mais pessoas serão
chamadas!
–
Mas quem são essas pessoas de que o Dessilva nunca antes falou?
–
São quem envia as cartas de chamada, financia a viagem e arranja trabalho para
os nossos jovens, são pessoas que fazem o bem mas desde que lhes dê lucro.
– E
o Dessilva está a pensar em alguém em particular para o acompanhar na viagem?
–
Estou a pensar numa pessoa que seria a certa. Essa pessoa está mesmo aqui, é o
amigo Costa. Tendo menos 20 anos do que eu, até ter a minha idade ainda vai poder
fazer muitas viagens.
–
Bem Sr Dessilva, eu até gostava de ajudar mas não sei nada dessa viagem,
conheço o caminho do monte, a aldeia do Norte, a cidade mas não conheço mais
nada, pouco sei de inglês, acho que não vou ser capaz!
–
Eu tenho a certeza que o Costa é capaz, é um homem culto, viajado, negocia em
feiras, já lidou com todo o tipo de pessoas e essas falhas que apontou podem ser
corrigidas. Primeiro, pode frequentar a escola de inglês e, mesmo nesta
primeira viagem sabendo pouco inglês, acompanha-me para ganhar experiência e a
confiança das pessoas que já tenho do nosso lado, o estalajadeiro e o chefe da
estação. Depois, aos poucos, vai ganhando experiência e vai ver que tudo se
tornará fácil.
–
Sendo assim, aceito ser o seu aprendiz.
Chegado
a Outubro, num dia sem chuva, o Dessilva, o Costa, os jovens, os carregadores
com os burros e os pastores com os cães fizeram a travessia do monte. Na aldeia
do Norte, o estalajadeiro aceitou, agora sem protestos, que as pessoas as pessoas
e os animais passassem a noite no curral do gado, agora por 525€ por haver mais
5 pessoas. Na estação de caminhos de ferro também não houve problemas pois o
chefe da estação, sabendo que iria ficar com os mais de 3300€ da diferença
entre os 38 bilhetes de 3.ª classe que iria cobrar e o bilhete da carruagem de
carga onde as pessoas iriam fazer a viagem, até ficou todo contente, preparou
uma carruagem de carga com bastante palha, uma divisão para dar alguma
privacidade, fartura de lenha para o fogareiro e reforçou a água mandando meter
dois pipos na carruagem. Na fronteira, instruídos pelo chefe da estação,
ninguém se aproximou sequer da carruagem e, chegados Amesterdão, tudo correu
pelo melhor.
Na América, a integração correu bem e os agora 64 jovens reforçaram a reputação de que eram tementes a Deus, trabalhadores e dígnos de confiança. O António sentia remorços por ter matado aqueles 3 mas, ao olhar para aqueles 36
companheiros, não deixava de pensar que “se aqueles 3 não tivessem morrido,
nunca estes poderiam ter vindo para a América.”
Capítulo seguinte (42 - O Lucro)
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