quinta-feira, 14 de outubro de 2021

A tragédia do Meco, a causa-efeito e o acaso

No dia 15 de Dezembro de 2013 morreram 6 estudantes universitários no Meco.

Como eram jovens, com pais cheios de esperança, estas mortes foram uma tragédia de grande dimensão. E é natural que as pessoas, em especial os pais, procurem uma causa, um comportamento, uma acção para isto ter acontecido quando poderia ter sido evitado. 

O que vou explicar neste poste é que nem tudo tem uma causa, acontece simplesmente por acaso. E o acaso que neste caso foi trágico, muitas das vezes leva a grande descobertas (como foi o caso da penicilina, descoberta porque um fungo, por acidente, contaminou uma experiência com bactérias). 


Cada morte é um tragédia mas, em termos agregados, temos uma regularidade estatística.

Se procurarmos no google pela palavra chave "Tábuas de Mortalidade INE" aparece-nos um documento compilado pelo INE que quantifica quantas pessoas chegam a determinada idade a partir de 100000 nascimentos, calculado com os dados dos últimos 3 anos.

Nas tábuas calculadas em 2018-2020 vemos que, por cada 100000 que nasceram, morreram 577 crianças e jovens antes do dia de aniversário dos 21 anos.

Estão bem a ver a coisa?

A tragédia do Meco foi há 8 anos e nesses 8 anos morreram próximo de 4000 jovens e crianças e, no entanto, só se procura causa criminal para os 6 que morreram afogados no Meco.


A culpa é da estatística.

A energia das ondas do mar, isto é, a sua capacidade de avançar no areal, é uma distribuição "lognormal". Quer isto dizer que, se em média, a onda avança 20 metros pelo areal dentro, existe uma probabilidade de 10% de avançar 100 metros e uma probabilidade de 0,1% de avançar 200 metros. Esta distribuição traduz que, uma vez em cada hora, vem uma onda que nos surpreende.

Por isso, e já me aconteceu um acidente destes quando estava com a minha sobrinha (com 5 anos) que foi arrastada para o mar e tive de me meter à água para a salvar, é que o povo diz que "O mar é traiçoeiro". E mais traiçoeiro é durante o Inverno porque o conhecimento que temos do comportamento do mar é aprendido no Verão, enquanto estamos na praia (e no Inverno a dinâmica das ondas é substancialmente diferente).


Isto quer dizer que os mortos do Meco foram vítimas do azar.

Claro que podemos pensar que se não estivessem lá, o mar não os teria levado. Mas o que levou os outros 4000 jovens que morreram no entretanto?

O problema da regularidade estatística é que se alguém escapa aqui, outro vai ter que morrer acolá.

Se um escapa de morrer afogado, logo outro morre porque caiu da trotineta.

Se escapa da trotineta, morre engasgado.

E por ai adiante sendo certo que, mesmo que ninguém fume, ninguém beba, ninguém vá à praia, façamos desporto todos os dias, deitemo-nos cedo e evitemos as velocidades excessivas, vamos todos vamos morrer.

E a morte nunca assume a culpa, é sempre uma causa qualquer.

A única coisa que os vivos têm a fazer é deixar os mortos em paz e seguir em frente, esperando pacientemente pelo nosso último dia.

Santa Maria Mãe de Deus rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte.


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