domingo, 28 de junho de 2015

16 - A operação

Crime e Redenção 
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (15 - A recusa)    




16 – A operação 
Lá foram aquelas 8 mulheres pela calada da noite em direcção à casa da Maria Zé. 
– O Francisco não me vai abrir a porta. Como a Júlia esteve lá, a Maria Zé vai desconfiar e vai proibi-lo de me abrir a porta. O meu filho é muito respeitador do que diz a mulher pelo que não vai fazer nada.
– Vamos então mudar de estratégia, apanhemos um pouco de caruma para podermos fazer uma fogueira à porta de casa deles. Quando a luz da fogueira começar a entrar pelas frinchas, o Francisco vai acreditar que há um incêndio e vão sair cá fora para ver o que se passa. Também vamos bater no porco para ele grunhir, dando assim a sensação de que está em perigo. Vai cair como um patinho.
As mulheres chegaram e o cão começou logo a ladrar. Entraram no pátio em total silêncio, colocaram a caruma num monte a acenderam-na com a vela do lampião. A Júlia deu sinal a uma das filhas que foi bater com uma chibata no porco que, imediatamente, começou a grunhir. Também as ovelhas se agitaram e começaram a balir. Passado um ou dois minutos, quando a fogueira já estava alta, a mãe do Francisco bateu violentamente à porta gritando “Francisco, Francisco, estás-me a ouvir, sou a tua mãe, anda cá fora que há um incêndio na cozinha, anda cá ver, anda rápido que precisamos apagar isto para que não mate os animais e não pegue fogo à casa. Eu calhou ver o lume de minha casa e vim cá a correr mas estou sozinha, preciso que me venhas ajudar a pedir socorro senão isto arde tudo. Deve ter sido algum bandoleiro que saltou o muro e que veio meter fogo aqui. Abre a porta rápido que vais morrer ai dentro juntamente com a tua mulher e as tuas crianças. Ouve, o porco está assustado, está a adivinhar que vai morrer queimado. Anda daí meu filho.
O Francisco, ouvindo aquele burburinho, não resistiu, levantou-se da cama, calçou uns chinelos, tirou a tranca da porta, abriu-a e deu três passos em direcção à cozinha “Mãe onde está o incêndio? Mas isso é apenas uma fogueira.” Nesse mesmo momento, as mulheres que estavam encostas à parede, entraram de rompante dentro da casa, fecharam a porta e trancaram-na. “Mas que se passa? O que está a acontecer?” disse o Francisco meio atordoado.
– Xiiiuuu, anda cá meu filho, anda cá, vem para aqui, para a minha beira, para conversarmos à beira da fogueira. São as tuas tias e cunhadas que vêm resolver o problema pois a tua mulher está confusa da cabeça. Não te preocupes que tudo vai correr pelo melhor.
Entretanto, dentro da casa, como entraram em silêncio, as mulheres conseguiram prender a Maria Zé ainda na cama. Uma a segurar em cada braço e cada perna, dominaram-na completamente. As crianças ficaram assustadas mas foi ao quarto uma das tias para as sossegar. “Xiu, xiu, isto não é nada, são os serandeiros na brincadeira, vejam, trouxe-vos rebuçados e vou-vos contar a história da Fuga do Egipto”. A Isabel pôs o xaile branco pela cabeça, pegou no Levi que estava a dormir no quarto da Maria Zé e pediu ajuda à Júlia. “Júlia, vamos para a arrecadação para me ajudares a ver se a criança nasceu mesmo doente. Pela minha experiência, vejo que sim mas tu percebes mais disto.” A Júlia fez-lhe um teste demorado, avaliou se a criança conseguia agarrar as coisas, se segurava a cabeça, se tinha algum controle do tronco mas nada. “É doente, não tenho dúvida nenhuma de que nasceu doente. Mas agora o que vais fazer? É que eu não trouxe o meu saco”. A Isabel tirou uma fralda que estava em cima da mesa e disse “Mas eu resolvo o assunto, agora eu trato de tudo.” Abriu a fralda em cima da caixa da roupa, deitou em cima dela o Levi que chorava a plenos pulmões e embrulhou-a totalmente tapando-lhe a cabeça. Depois, abriu a caixa do milho e, com as mãos, afastou o cereal para um dos lados. Pegou na criança embrulhada na fralda, meteu-a naquele buraco e ainda arrumou um pouco mais para que pelo menos metade da criança ficasse já enterrada no milho. Finalmente, com a mão direita segurou a criança e, com a esquerda, puxou o monte de milho que tinha feito num dos lados da caixa para que a criança ficasse totalmente enterrada no cereal. A criança quase que se deixou de ouvir abafada pelo milho “Pronto, dentro de um minuto ela cala-se e, depois, é só esperar uma meia hora para termos a certeza de que o problema está resolvido” Assim que a criança de deixou de ouvir disse “Vamos agora falar com a Maria Zé para ver como ela está.”
A Maria Zé estava a gritar e a tentar morder as irmãs mas não conseguia por serem 4 contra uma. Quando a mãe chegou chamou por ela com voz de comando “Maria Zé, Maria Zé, sou eu, a tua mãe Isabel, pára de fazer esse teatro e ouve o que eu tenho para te dizer”.
– Mãe, Mãe o que está aqui a fazer? Quem são estas mulheres que me estão a agarrar?
– São as tuas irmãs a quem eu tive que pedir ajuda porque não abriste a porta à Tia Júlia. Eu sei que foi Deus que te toldou o pensamento para me experimentar e, por isso, viemos cá para te resolver o problema. Não te preocupes que agora está tudo bem, o Francisco está lá fora com a mãe e as crianças estão acompanhadas, não te preocupes que está tudo resolvido.
– E onde está o Levi que dormia aqui ao meu lado, onde está o meio Levi? Ainda há pouco o ouvi chorar e agora não ouço nada, onde meteram o meu filhinho?
– O teu Levi já não está entre nós, Deus chamou-o para junto dele. Como sabes, nasceu com a doença e, por causa disso, teve que ser devolvido ao Criador.
– Mas mãe, a Tia Júlia está aí? Foi ela que o matou com o defumadouro? Mas não me cheira a alecrim, o que aconteceu à minha criança, quem a matou?
– Minha filha, já te disse, o teu filho não morreu, apenas foi devolvido a Deus porque nasceu com a doença. Não foi ninguém que o matou, foi a doença, aquela maldição que nos acompanha e contra a qual não podemos mostrar fraqueza. Tens que ser forte e aceitar o teu destino. Temos todos que ser fortes e avançar para o futuro. Esta tua criança já é passado e agora tens que pensar nas que continuam vivas e aceitar as que terão que vir para substituir a que partiu. É o nosso destino e é assim que temos que viver a nossa vida.
Entretanto a Maria Zé foi-se acalmando, foi-se conformando com o seu destino e o tempo foi passando. A certa altura, a Isabel disse “Podem abrir a porta que eu preciso falar com o Francisco”. O Francisco entrou e a Isabel disse “Francisco, o Levi foi para junto do Criador. Agora, pega na tua mulher e ide passar a noite a casa da tua mãe que nós tratamos das crianças.”
– Mas que é feito do Levi? Onde está a criança?
– Já partiu para junto do Criador, não te preocupes. Como já deverias saber, a criança nasceu com a doença e, por isso, não pode continuar entre nós, veio a este mundo para condenar as tuas outras crianças à morte mas já não o vai poder fazer. Veste-te, pega na tua mulher e vai passar a noite a casa da tua mãe que veio connosco.
Soltaram as mãos e as pernas da Maria Zé que, talvez por achar que nada mais podia fazer, tomou uma posição submissa. Pegou na roupa que tinha na cadeira e vestiu-se à frente de todos. O Francisco também se vestiu e, depois, saíram os dois cá para fora. “Mãe, vamos então passar a noite a sua casa”.

“Não foi desta que me venceste” pensou a Isabel relativamente a Deus. “Eu e a Júlia ficamos aqui com as crianças e vocês já podem voltar para as vossas casas. Amanhã de manhã eu deixo as crianças a alguém aqui da vizinhança e vou tratar de tudo pois a Maria Zé não vai estar com cabeça para nada.”

Capítulo seguinte (17 - O ataque)

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