O FMI veio repetir o que toda a gente já sabe.
Num documento com 88 páginas (24 menos que o relatório do Portas), existe apenas uma página com um pequeno texto e 4 gráficos onde é afirmado que o ajustamento do mercado de trabalho se está a fazer principalmente pela destruição do emprego das pessoas com menor escolaridade e que as empresas do sector transaccionável (que são o motor das exportações) estão a trabalhar com margem de lucro muito baixa (que as levará ao desinvestimento). Então, para resolver estes dois problemas afirma que é preciso flexibilizar os salários dos privados (em baixa).
Mas o relatório não afirma que todos os salários têm que descer. Diz apenas que, pontualmente, os custos do trabalho têm que ajustar (diminuir) às difíceis condições da nossa economia principalmente dos actualmente desempregados que têm menor escolaridade. Caso contrário, essas pessoas terão muita dificuldade em arranjar um novo emprego.
Produzo mais riqueza numa hora que muitas professoras numa vida inteira
Em termos textuais, o
relatório da 8.a e 9.a avaliação do FMI diz (tradução minha e da google):
5. Não obstante o recente declínio na taxa de desemprego, o seu nível permanece elevado. De facto, o nível e a duração do desemprego em Portugal continuam a ser dos mais altos da Zona Euro, apesar de uma significativa recuperação pela emigração.
O ajustamento do mercado de trabalho tem, em grande medida, ocorrido pela destruição de postos de trabalho, com o emprego 13% abaixo do seu pico de 2008. Essa perda tem sido particularmente concentrada no segmento menos qualificados do mercado de trabalho (ver Fig. 1).
Fig.1 - Nível de emprego em Portugal (relativo a 2008Q4)
A redução dos salários nominais obtidos até agora tem sido impulsionado principalmente pelo evolução do sector público (a maioria da qual foi este ano revertida devido às decisões constitucionais), enquanto que a flexibilidade salarial no sector privado mostra-se limitada (ver Fig. 2).
Fig. 2 - Nível de salários em Portugal (relativamente a 2009Q1)
7. A melhoria dos indicadores da competitividade ficou aquém do ajuste de conta corrente [que aconteceu em grande parte pelo esmagar da margem de lucro das empresas exportadoras].
Os custos unitários do trabalho em toda a economia (CUT) diminuíram em cerca de 4.5% desde o máximo do 1 º trimestre de 2009. No entanto, isso reflete principalmente a evolução do sector público, em particular os cortes nos subsídios de férias e de Natal mas que formam anulados pelo Tribunal Constitucional, enquanto que o ajuste dos CUT no sector privado têm sido limitados (ver Fig. 3), embora maior no sector dos bens transaccionáveis .
Fig. 3 - Nível dos custo do trabalho (relativamente a 2009Q1)
A rendibilidade do sector transaccionável ainda precisa se recuperar porque mantém um nível relativamente baixos (ver Fig. 4), o que, em parte, reflectem maior custo de capital (juros elevados) e, na outra parte, que os preços dos inputs locais e de contexto de mantêm elevados [os preços internos também estão com dificuldade em ajustar em baixa].
Fig.4 - Rentabilidade do capital (percentagem)
Qual o nível de salário necessário para competirmos com a China?
Repetidamente aparecem comentários (que agradeço sempre) a dizer que nunca poderemos competir com a China que tem salários muito baixos. Então, podemos todos ganhar, como o Cristiano Ronaldo e o Mourinho, 1 milhão de € por mês.
É uma realidade que na China os salários rondam os 170€/mês enquanto que em Portugal rondam os 900€/mês mas este raciocínio está errado porque actualmente, tirando a Coreia do Norte, todos os países competem entre si em mercado aberto.
Porque se preocupam as pessoas com a China que tem salários na ordem dos 170€/mês e não com Marrocos (com salários a rondar os 125€/mês) que está muito mais próximo de nós? E a Índia, onde os salários rondam 70€/mês, não aflige ninguém porquê?
E porque não conseguimos nós competir com o Luxemburgo, Suíça, Alemanha ou Inglaterra onde os salários são muito mais elevados que os nossos?
A questão é outra.
Porque o salário traduz a riqueza que uma pessoa produz em cada mês de trabalho, um país tem salários altos se tiver muitas pessoas que produzam muita riqueza.
Por exemplo, um kg de algodão fica mais barato produzido nos USA (onde os salários são elevadíssimos), do que em Moçambique (onde os salários são extremamente baixos) porque numa hora de trabalho um americano produz muito mais algodão que um trabalhador moçambicano.
Mesmo que Moçambique feche as fronteiras, nada altera o facto dos trabalhadores moçambicanos produzirem poucos kg de algodão em cada mês de trabalho.
Assim, apesar de todos os países estarem em concorrência, no Luxemburgo os salários mantêm-se muito mais elevados que na China ou em Portugal porque lá as pessoas produzem mais riqueza numa hora de trabalho do que na China ou aqui.
Não é nos países menos sujeitos à concorrência (com a Coreia do Norte ou Cuba) onde os salários são mais elevados mas sim naqueles onde as pessoas produzem mais riqueza.
Será mesmo preciso descermos os salários?
Não é bem um descer generalizado porque a nossa balança comercial está, pela primeira vez desde os anos 1940, equilibrada. É antes preciso flexibilizar o salário (ou o horário semanal) de cada trabalhador para haver um ajustamento micro.
Porque numa hora de trabalho as pessoas não produzem a mesma riqueza, é necessário ajustar a cada pessoa um salário ou um horário semanal diferente.
Se uma pessoa do tipo A produz 3.00€/h, trabalhando 40h/semana pode receber 120.00€/semana. Se outra pessoa do tipo B produz 2.50€/h então, para receber os mesmos 120.00€/semana, terá que trabalhar 48h/semana. Se o B trabalhar as mesmas horas, só pode receber 100€/semana.
E se a empresa pagar 110€/semana a ambos?
Se a Lei impuser que A e B têm que ter o mesmo salário e o mesmo horário semanal, parece viável a empresa pague a produtividade média, 110€/semana, a ambos os trabalhadores. O problema é que uma outra empresa que só contrate os trabalhadores mais produtivos vai poder oferecer 120€/semana ao nosso trabalhador A o que faz com que a nossa empresa fique apenas com os trabalhadores do tipo B. Vai acumular prejuízo e falir.
Então, a Empresa terá que pagar 120€/semana ao trabalhador A e o trabalhador B vai ficar no desemprego.
E se for difícil observar a produtividade?
Aqui surge o segundo problema.
Se inicialmente não for possível distinguir os trabalhadores A dos B, quando são contratados o salário será igual (110€/semana) mas, com o tempo vai ficando claro que o trabalhador B produz menos riqueza que o A. Então, se a Lei não permitir ajustar em baixa o salário de B (de 110€/semana para 100€/semana), a empresa vai ter que o despedir porque tem que subir o salário do A (de 110€/semana para 120€/semana) pois, caso contrário, ele vai-se embora.
Mais uma vez, a alternativa é o trabalhador B ser despedido mas agora vai passando a sua vida entre longos períodos de desemprego interrompidos por curtos períodos de empregos.
A balança comercial.
O Jorge Gaspar interroga-se como podemos ter uma balança comercial positiva e, mesmo assim, a taxa de cobertura das importações pelas exportações se de apenas 81.3%.
É que a balança comercial tem a balança de mercadorias (que engloba as importações e exportações de bens e que é deficitária) e a balança de serviços (que é fundamentalmente turismo) que está positiva. Juntando as duas, dá a balança comercial que está, finalmente, positiva.
Relativamente a 2010, ano em que começou o ajustamento, melhoria da taxa de cobertura aconteceu pela diminuição das importações (-3.4%) mas principalmente pelo aumento das exportações (+27%).
Antes de 2011, por cada euro importado, exportamos 0.63€ e agora exportamos 0.85€ (dados, INE).
A balança comercial está equilibrada por causa do turismo (balança de serviços).
O FMI está preocupado com a rentabilidade das empresas exportadoras porque a tendência de crescimento das exportações não são o sucesso que, volta e meio, o Pires de Lima anuncia (em MilM€/mês a preços correntes, dados: INE)
A balança de bens está deficitária mas o turismo dá uma ajudinha no equilibrio a balança comercial (MilM€/mês. dados: BP)
Como deve ser alterado o Código do Trabalho.
Se houver necessidade constitucional de manter que o "salário é igual para todos", o conceito de salário deve ser clarificado como o "salário mensal" permitindo-se que cada trabalhador tenha no seu contrato um número diferenciado de horas de trabalho semanal, maior nos trabalhadores menos produtivos e vice-versa.
O valor máximo do horário de trabalho normal pode voltar, sem haver qualquer destruição do Estado Social, às 48h/semana. Se a Constituição de 1975 que era muito mais "defensora do proletariado" permitia um horário máximo de trabalho de 48h/semana, a actual também o permite.
Com um máximo de 48h(semana, o Salário Mínimo Nacional desceria dos actuais 4.25€/h = (485 x 14 + 233 x 4.27)/1865, para um mínimo de 3.78€/h que corresponderia para o empregador a uma redução de 485€/mês para 430€/mês mas sem haver redução do rendimento do trabalhador.
Ovelha manca que teima em dormir a sesta, acaba na chanfana
O horário ficaria escrito no contrato.
Mesmo que o salário mensal continue regulado por um contracto colectivo de trabalho, o contracto individual do trabalhador passa a ter escrito qual o número de horas semanais de trabalho.
Se ao trabalhador A forem propostas quiser 40h/semana e ao B 48h/semana, o B só aceita se quiser senão, continua a procurar.
Nas renovações do contrato (a termo certo) se a empresa detectar que o trabalhador é do tipo B, antes de o despedir, propõe-lhe o aumento do horário semanal. O trabalhador só aceita se quiser senão, vai, como actualmente acontece, para o desemprego.
Este relatório contém as condições para o 2.º resgate.
O Tozé Seguro diz que o Passos Coelho está a negociar o 2.º resgate em segredo apenas porque é surdo. De facto, as negociações estão a decorrer na praça pública.
O governo diz pela boca do Pires de Lima.
As taxas de juro estão muito altas pelo que queremos negociar um plano cautelar.
A Comissão Europeia vem dizer:
Ninguém ouviu falar disso e não sabemos o que é o tal plano cautelar.
O governo responde pela boca do Machete.
Então, queremos um 2.º Resgate porque não queremos ir ao mercado pagar mais de 4%/ano.
O FMI coloca as suas condições.
O vosso tribunal constitucional é uma coisa muito esquisita. Por isso, só avançamos se flexibilizarem o mercado de trabalho (ser possível descer os salários).
O governo ataca pelo Portas.
Não queremos uma economia baseada em baixos salários.
E a negociação irá continuar.
Pedro Cosme Vieira