sexta-feira, 23 de agosto de 2024

O passe de comboio Low Cost não faz sentido mas pode fazer!

O Montenegro anunciou passes a 20€/mês para todos os comboios.

Esta medida não tem racionalidade económica pois torna a receita obtida pela venda dos bens inferior ao seu custo de produção, condenando as empresas à falência.

E este problema não se coloca apenas a quem vende viagens de comboio pois passa a ser uma "concorrência desleal" aos outros meios de transporte.

O Ricardo Reis, pessoa muito inteligente e sábia, escreveu contra medida no Expresso (22/08/2024).

O Ricardo Reis conhece-me pessoalmente, já falamos sobre economia, assisti a apresentações dele sobre macroeconomia e até trocamos emails mas, em tempos, tivemos um desaguisado por causa da TAP. Digamos que eu critiquei uma crónica que o Ricardo escreveu (ele dizia que a TAP era bem gerida e eu dizia que não) e ele reagiu como se fosse uma questão pessoal (mas foi apenas uma questão de opiniões desencontradas).

Diz o Ricardo, com toda a razão, que os comboios não vão conseguir transportar tantas pessoas pelo que os actuais clientes vão ficar sem acesso a este meio de transporte.

Apesar de o Ricardo ter toda a razão relativamente ao passe de comboios a 20€/mês apresentado pelo Montenegro, vou mostrar que, em termos económicos, fará sentido se o mercado for segmentado.


O que é a segmentação de mercado (e a discriminação de preço)?

Apresentar nas aulas de Introdução à Economia dos mentecaptos de letras este exemplo foi uma das causas que levaram ao meu despedimento pela cartilha woke: racista, xenófobo, misógino e machista. 

Como sabem, há pessoa que vivem em acampamentos, têm furgões a cair de podre, vendem na feiras roupa em segunda mão e que furtam água potável das bocas de incêndio localizadas a milhares de metros de distância (e que as crianças transportam em bicicletas).

A questão que tentei responder foi "Fará sentido económico cobrar a estas pessoas pela água um preço menor ?"

Do exercício resulta que faz sentido desde que a produção da água potável tenha um custo fixo (independente da quantidade produzida) e um custo variável (dependente do volume produzido).


Vejamos um exemplo com números.

Uma rede vende 1,0 m3/minuto de água potável mas é capaz de fornecer até 1,5 m3/minuto.

Custo fixo:

O custo fixo resulta da amortização do investimento e do custo de manutenção.

O investimento é de 3milhão€ a amortizar em 10 anos e uma taxa de juro de 5%/ano. Daqui resulta um custo unitário fixo de 0,45€/m3.

A manutenção da rede tem um custo de 150€/dia. Daqui resulta um custo unitário fixo de 0,10€/m3.

Custo variável:

0,45+0,10 = 0,55€/m3

Produzir 1 m3 de água por minuto obriga ainda a gasta 0,15€/m3 de eletricidade.

 0,15€/m3

Custo total:

Para a empresa não ter prejuízo, o preço médio de venda tem de pelo menos cobrir estas duas parcelas. 

0,55€/m3+0,15€/m3 = 0,70€/m3

Preço afixado:

A empresa vai cobrar 0,80€/m3 (margem de lucro de 0,10€/m3)


Ao preço de 0,80€/m3, as pessoas furtam 30 m3/mês mas compravam 110m3/mês a 0,20€/m3. 

Compravam porque o custo do transporte é maior do que 0,20€/m3.

Neste caso, como 0,20€/m3 é maior do que o custo variável (que é de 0,15€/m3) e as pessoas deixavam de furtar a água, a empresa aumentaria o seu lucro em (110*(0,20-0,15) + 30*0,15) = 10€/mês

As pessoas ficariam melhor do que a furtar a água pois, mediante um pagamento de 22€/mês, as crianças deixavam de precisar de transportar a água e teriam mais água disponível para consumo. 


Mas é preciso uma segmentação "perfeita".

Para a empresa aumentar o lucro, a água só pode ser vendida a 0.20€/m3 às pessoas do acampamento. Se outras pessoas conseguirem obter a água a esse preço reduzido (preço discriminado), a empresa passa a ter prejuízo.

A arte está em conseguir segmentar o mercado.


Voltemos aos comboios.

Vamos supor que uma pessoa faz 22 vezes por mês a viagem Braga-Porto-Braga pela qual paga 6,90€ por dia. Se comprar o passe mensal, vai pagar 0,91€/viagem, um desconto de 87%.

Para este passe fazer sentido económico para a CP têm de se verificar duas condições:

1) A grande maioria das pessoas que vai comprar o passe não são clientes actuais (é possível segmentar o mercado). 

2) O custo variável de meter mais um passageiro no comboio tem de ser inferior a 0,91€/viagem.


Como segmentar o mercado?

A qualidade do serviço tem de diminuir em termos objectivos e subjectivos. 

Para fazer sentido económico, será rpeciso:


A)  "Introduzir" custos subjectivos pintando a carruagem de vermelho e com "LOW COST" escrito a amarelo. Quem tem o passe Low Cost só pode viajar nesta carruagem.

Mesmo que não cabam mais pessoas nesta carruagem e o comboio tenha as outras carruagens vazias, os detentores de passe Low Cost têm de esperar pelo próximo comboio.


B) Reduzir o custo de produção das viagens. Se actualmente uma carruagem de 25 metros leva 80 passageiros sentados (e umas poucas de pé), passo tudo a lugares de pé, aumentando a lotação para 400 passageiros (todos à lota como no metropolitano de Tóquio).

Essa carruagem diferenciada é acrescentada no final dos comboios actuais (as pessoas têm de ir para o fim do cais de embarque).

Seremos nós portugueses mais ricos do que os japoneses? Naturalmente que não.


C) Fazer uma pequena modelação no preço.

O cliente valida o passe à entrada e à saída de forma a poderem ser contabilizados o total dos quilómetros percorridos ao longo do mês. 

Os 20€/mês dão para 1250km e, os quilómetros seguintes são pagos a 0,025€/km.

Vamos supor que a viagem Porto-São Bento /  Braga são 50km. Então, fazer ida e volta todos os dias 22 dias do mês irá ter um preço de 20 + (2200-1200)*0,025 = 43,75€/mês, um desconto de 71%.

Os quilómetros podem passar de um mês para o outro com uma redução de 25%.


D) Os quilómetros passam, com desconto, para o mês seguinte.

Se este mês só viajei 900km, no mês seguinte vai poder fazer 1200 + (1200-900)*2/3 = 1400km.


E) Fazia mais uma coisa que é polémica.

Em Portugal existem pessoas que não viagem de comboio porque têm medo das autoridades. É que há pessoas que abusam da autoridade contra as pessoas que não sabem os seus direitos.

Repararam que, desde que fiz a queixa à Procuradoria da Justiça, nunca mais se falou que a PSP, a mando da Rui Moreira da Câmara do Porto, desalojou pessoas de "hospedagem ilegal"? É que isso é puro abuso de poder.

Também as pessoas que andam na sua vidinha não podem ser interpeladas pela polícia. Mas com o argumento de que "Pareceu-me com um comportamento estranho", os imigrantes com a situação não regularizada têm medo de serem controlados nos comboios.

Então, se a pessoa mostrar o passe válido, com fotografia e nome, não precisando de dizer qualquer palavra, pode seguir à sua vidinha. É assim que fazem na Suíça.

Comboios de gajas boas à pinha, como sardinhas na lata

Em termos sociais, terá um efeito positivo.

Muitas pessoas que vivem hoje no centro das grandes cidades em condição de sem-abrigo ou em alojamento muito congestionado (leia-se imigrantes com parcos recursos financeiros que fazem entregas ou trabalham em lojas falidas) passarão a poder viver nas periferias.

Depois, todos os dias, podem-se deslocar para o centro da cidade para as suas actividades económicas.



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