segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Os ecologistas têm de ser a favor dos fogos rurais porque fazem parte da Natureza

Quando não havia humanos, já que havia incêndios rurais.

Todos os Verões, Portugal é atacado pelos incêndios rurais. A nossa tendência imediata é apontar o dedo à falta de limpeza dos vizinhos, aos incendiários, aos fósforos, ao descuido humano (mas nunca a nós). Mas e se imaginássemos um mundo sem pessoas? Um mundo em que todos os incendiários bêbados e malucos já não existiam, em que os fósforos deixavam de funcionar… será que os fogos rurais desapareceriam?

A resposta é não, muito antes pelo contrário.


Sem a presença humana, o fogo continuaria a acontecer porque faz parte da Natureza. 

Raios durante tempestades secas, erupções vulcânicas ou simplesmente a combustão espontânea de matéria orgânica acumulada dão origem a incêndios. Desta forma, centenas de milhões de anos antes do aparecimento dos primeiros humanos, as florestas do planeta já ardiam regularmente a ponto de a maior parte das espécies vegetais e animais terem evoluído precisamente para sobreviver e até depender do fogo para se regenerarem.

Se as luzes vermelha e amarela oscilantes chamam a nossa atenção (e a dos outros animais) é porque os nossos cérebros aprenderam a ver o fogo como um perigo.

Não é por acaso que as ervas e os arbustos armazenam os seus nutrientes em raízes profundas, que a batateira faz nascer a batata enterrada no solo, ou que as raízes das acácias rebentam em novas plantas quando o tronco-mãe é totalmente destruído pelo fogo. Nesse mundo natural sem humanos, as plantas e animais evoluíram fazendo face à recorrência dos incêndios durante os períodos secos e, portanto, as plantas terem desenvolvido a capacidade de rebentar repetidamente após os incêndios não foi por acidente, são antes a prova de que o fogo sempre fez parte da natureza. 

Podemos dizer que há poucas ignições naturais mas a ausência das barreiras criadas pelo homem faria com que cada fogo se espalhasse sem limites. Se hoje um incêndio rural dura dias e afecta milhares de hectares, sem humanos duraria meses inteiros e queimaria milhões de quilómetros quadrados. 

O resultado seria uma paisagem profundamente diferente do que conhecemos hoje e mais parecida com a savana, poucas árvores grandes, idosas e resistentes ao fogo, separadas por vastas áreas de matos. 


Será que no século XI, quando D. Afonso Henriques caminhou com as suas tropas até Lisboa, encontrou pelo caminho a floresta que temos hoje?

Não, nem pensar.

Grande parte do território era ocupada por sistemas agro-silvo-pastoris, ou seja, mosaicos de campos cultivados com centeio, pastagens para os rebanhos e árvores isoladas.

Os rebanhos (cabras, ovelhas, porcos, vacas, cavalos e burros) tinham um impacto enorme na vegetação, mantendo os terrenos “rapados” e travando a regeneração natural de florestas densas. Um rebanho de ovelhas entrando numa floresta, porque roça os seus cornos contra a casca das árvores e come os rebentos, em poucos anos mata todas as árvores. Os cavalos e vacas arrancam a casaca roçando o dorso nas árvores e os porcos destroem as raízes com o seu fuçar.

Os incêndios eram frequentes, quer por causas naturais, quer por uso humano (fogo pastoril para renovar pastos, abrir clareiras ou defender povoações) que se estendiam por centenas de quilómetros  quadrados (não havia bombeiros nem aviões canadairs). Isso criava paisagens marcadas por matos e árvores dispersas, não grandes massas florestais contínuas.

As florestas densas existiam apenas em áreas de difícil acesso, sem pessoas e húmidas.

Portanto, historicamente, Afonso Henriques e as suas tropas, marchando até Lisboa, atravessaram campos abertos, matos e clareiras intercaladas com pequenas manchas de árvores — moldados tanto pela acção dos rebanhos como por incêndios recorrentes — e não os contínuos tapetes de floresta que hoje associamos ao “natural”.


Mas porque os fogos rurais são hoje uma tragédia?

Porque o ser humano insiste em alterar o curso natural das coisas — ocupando, transformando e organizando a paisagem ao seu próprio modo, e contra a lógica ecológica que a moldou durante centenas de milhões de anos. O humano pensa o território não como parte da natureza, mas como parte de um processo produtivo. Acredita que o pode domesticar, moldar e organizar para extrair madeira, alimento ou outras matérias-primas. Mas quando a Natureza segue o seu curso, quando esse projecto humano colide com os processos naturais, o resultado é percebido como uma tragédia. 

Uma tragédia que, no fundo, não é natural — é apenas uma tragédia humana pois a Natureza até fica enriquecida. Por isso é que, em resposta aos incêndios, ouvimos as pessoas a pedir mais intervenção humana, mais planeamento, mais regulamentação, mais organização do território rural e nunca que os humanos se integrem mais na Natureza. Que se protejam as infraestruturas importantes tornando-as resistentes aos incêndios rurais e que se deixem os processos natural seguirem os seus caminhos.

Os ecologistas preocupam-se sobretudo com os animais de companhia — que de naturais nada têm — e quase nada com a verdadeira Natureza, aquela que precisa dos incêndios rurais para se regenerar e seguir o seu caminho normal. Têm muita pena que morram galinhas nos aviários mas nada com os coelhos bravos não terem o que comer, os linces e as aves de rapina não terem onde caçar porque não existem os matos abertos criados pelos incêndios rurais.

O problema, portanto, não é a existência do fogo em si, mas a forma como ele interage com a paisagem que nós, humanos, fomos moldando e que pensamos ser natural. 


E como resolver a tragédia humana dos fogos rurais?

A forma de resolver o problema dos incêndios rurais não passa por mais exploração económica do território, mas precisamente pelo contrário: abandonar essa visão produtivista, naturalizar cada vez mais espaço e deixar de ver a floresta apenas como fonte de madeira. 

Precisamos de aceitar que os incêndios rurais fazem parte do ciclo natural e dar-lhes mais liberdade, em vez de os tratar sempre como inimigos a eliminar. 

Não é obrigando os velhinhos a “limpar as matas”, contratando mais bombeiros, comprando mais carros , aviões e helicópteros de combate aos incêndios, impondo penas mais duras aos “incendiários” e multas a quem não “limpa”. É, antes, o contrário, deixar que a natureza siga o seu caminho. 

O esforço humano deve concentrar-se em proteger as pessoas e os bens, construindo casas e infraestruturas mais resistentes ao fogo, capazes de permitir a passagem do fogo sem grandes danos nas construções humanas. 

Claro que esta abordagem é completamente contrária ao pensamento de quem vive nas cidades, aos decisores políticos e aos opinion makers que nunca fizeram uma queimada nem se viram obrigados a lidar com a natureza bruta. 

Mas não há outra forma de lidar com a realidade (e não o problema) dos fogos rurais já que a alternativa é enterrar cada vez mais recursos a lutar — tal como D. Quixote — contra moinhos de vento que nunca podem ser vencidos, nem interessa vencê-los porque não são o nosso inimigo.


Porque pensamos que a culpa é sempre dos outros?

É um erro de percepção estatística.

No fundo, é muito improvável que um incêndio comece numa propriedade em particular, acontece uma ignição em cada milhão de anos mas, uma vez começado, vai-se propagar por milhares de propriedades.

Olhando apenas para uma propriedade em particular que ardeu, o incêndio vem sempre de um vizinho (só começa na nossa propriedade, uma vez num milhão de anos) e, por isso, parece que a culpa é sempre dos outros e causado por mãos criminosas. 

Mas não porque basta uma iginição para queimar 100 mil propriedades. Então, mesmo a probabilidade sendo muito pequena, uma em cada milhão de anos, havendo um milhão de propriedades ligadas entre si, as propriedades vão arder todos os anos.

Se a corrente tem um milhão de elos e cada elo tem uma probabilidade de um num milhão de quebrar, a probabilidade de a corrente quebrar é de 63%.
1-(1-1/1000000)^1000000


Escrito e ilustrado com a ajuda da Sofia, da ChatGPT 5

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