quarta-feira, 20 de março de 2013

O risco do frio extremo e da altitude

Por estarmos no último dia do Inverno, apetece-me falar do frio.

O corpo humano é muito flexível na sua capacidade de sobrevivência a diferentes condições climatéricas. No entanto, existem situações ambientais extremas para as quais não estamos adaptados. Uma dessas situações é o frio que se verifica no Inverno dos países do norte da Europa e da América (desde a Rússia, ao Canadá) e em locais de altura elevada. Um nosso exemplo de exposição acidental a um ambiente com frio extremo foi o caso do nosso montanhista João Garcia na escalada do Evereste (em 1999).
Quando uma pessoa se encontra num ambiente com temperaturas inferiores a -25ºC precisa de um socorro rápido que, por causa das condições metereológicas adversas e a dificuldade de localização das vítimas, pode ser impossível em tempo útil.
Neste poste vou apresentar a física do calor e propor uma abrigo de emergência de baixo custo que deverá ser colocado (no Verão) em locais que no Inverno possam servir de protecção a pessoas perdidas.
Os percursos pedonais de montanha (Serra da Estrela ou da Ilha da Madeira) são locais que melhorariam a sua segurança se utilizassem abrigos deste tipo.
Nos países muito frios em que as pessoas não conseguem pagar aquecimento, este tipo de abrigo também pode ser usado dentro de casa como local de pernoita (como integrante da cama).


Fig. 1 - Os dias de praia já vêm a caminho.

Vamos agora ao frio extremo.
No Inverno dos Países do Norte (desde a Rússia, ao Canadá) e na alta montanha, shit happens. Actualmente as pessoas desvalorizam as condições metereológicas extremas porque, vivendo em cidade, estão rodeadas por abrigos seguros e habituadas ao socorro chegar rapidamente a qualquer local. Mas quando querem testar a sua capacidade em situações incomuns (por exemplo, o montanhismo), o conforto dos carros e os aparentemente acessos fáceis dão uma falsa sensação de segurança porque, em caso de emergência climatológica, o carro deixa de funcionar e as vias de comunicação ficam rapidamente intransitáveis.

Só as pessoas que sabem nadar é que morrem afogadas.
Dizia repetidamente a minha mãe quando íamos dar um mergulho no Mar.
É o excesso de confiança que coloca as pessoas em situações perigosas.

Vamos á física do calor.
O calor é a agitação das moléculas e mede-se em graus centígrados, ºc (entre outras unidades).
Para aumentar a temperatura de uma substancia é preciso fornecer-lhe energia (joules por kilograma por ºc) .

O calor propaga-se por condução. Como a  agitação das moléculas se transmite de umas para as outras, o calor propaga-se ao longo dos materiais por condução.
Existem materiais em que o calor se propaga mais rapidamente (os metais) e outros em que se propaga muito lentamente (os gases).
A propagação do calor é uma perda de energia medindo-se em unidades de potência (joules por segundo que se denominam por watts).
Em termos relativos, a condução de calor através um material mede-se em watts por m2 de exposição numa parede com 1 metro de espessura por grau centígrado de temperatura.

Vamos a exemplos.
      Prata            ->                426 w/m/ºk (é o melhor condutor térmico conhecido)
      Ferro            ->                 80 w/m/ºk
      Granito        ->                   3 w/m/ºk
     Neve compacto   ->          0.7 w/m/ºk
      Tijolo           ->                   0.6 w/m/ºk
      Madeira de Pinho ->           0.12 w/m/ºk
     Neve fofa     ->                  0.15 w/m/ºk
      Lã                ->                   0.04 w/m/ºk
      Ar                ->                   0.026 w/m/ºk
      Espuma de Poliuretano ->   0.022 w/m/ºk
      Vácuo a 95%    ->              0.001 w/m/ºk

Uma parede em granito com 70cm de espessura perde tanto calor (4,3w/m2/ºk) como uma tábuas de madeira de pinho com 2.8cm de espessura ou um pano de lã com 1cm de espessura (porque têm ar aprisionado no seu interior).
Fica desfeito o mito de que uma parede grossa de granito faz casas confortáveis.

E se eu tiver uma sanduiche?
Por exemplo, 9.2 cm poliuretano ensadwichado em chapas de 0.4 cm de aço.
    Aço -> 80 x 100 / 0.4                  = 200000 w/m2/ºk
    Poliuretano -> 0.022 x 100 / 9.2 = 0.239 w/m2/ºk
    Aço ->                                        = 200000 w/m2/ºk

Agora calculamos o inverso (resistência térmica) e somamos resultando:
Resistência térmica da sande -> 4,182
Condutividade térmica da sande é o inverso da resistência -> 0.239 w/m2/ºk.

Em termos práticos, nesta sande, a chapa de ferro é um condutor perfeito do calor.

E uma divisória japonesa de papel de arroz?
Uma divisória com três folhas de papel de arroz (espessura de 0.07mm) separadas por dois espaços com 1 cm de ar é 3x melhor isolante térmico que uma parece de granito com 70cm de espessura.
Extraordinário.

 O calor também se propaga por convecção.
A água é má condutora térmica mas, como a água quente é menos densa que a fria, a circulação da água faz os corpos perderem calor (por convecção). Por esta razão é que quando está vento, o frio fica mais penetrante (entra pela roupa, arrefece-nos o corpo e vai-se embora).
O calor também se perde por irradiação de infravermelhos e por evaporação.

Vamos ao corpo humano.
Nós somos reactores químicos e as reacções que nos permitem estar vivos apenas funcionam a temperaturas próximas de 37ºc.
Ao vivermos produzimos calor.
Quando estamos em repouso, produzimos 80w (1650 kcal/dia). Nesta situação, para o nosso interior estar a 37ºc, a nossa pele deve estar a 33ºc e o ambiente a 28ºc.
Mas quando estamos em actividade produzimos mais calor.

     A ler este blog                   -> 120w,
     Caminhar 5km/h                -> 300w,
     Correr 10km/h                   -> 800w, dez vezes o valor de repouso
     Correr 1 km em 3 minutos -> 1600w.

Uma pessoa com muito boa preparação física é capaz de produzir 800w de calor durante mais de 6 horas seguidas (tremer violentamente de frio). Foi esta capacidade que salvou o João Garcia e a sua falta que levou o seu colega Pascal Debrouwer à morte.

Um abrigo para 2/3 pessoas em ambiente com -30ºc.
O que eu vou apresentar é uma solução de engenharia para um abrigo com capacidade para 2/3 pessoas confortável num meio ambiente com temperatura na ordem dos -30ºC.
O calor que o nosso organismo produz vai ser perdido pela respiração (evaporação de água e aquecimento do ar) e para o ambiente (por condução).
Vou fazer a minha simulação para uma potencia de 120w por pessoa, sendo os valores proporcionais para outros níveis de potencia.

1 - O aquecimento do ar inspirado.
Por cada 1000 j de calor produzido, uma pessoa inspira cerca de 1.2 litro de ar com 21% de oxigénio que expira com cerca de 14% de oxigénio. A potência de 120w precisa de 9.0 litros/minuto, 18 inspirações de 0.5 litros por minuto.
São necessários 12w para aquecer 9 l/m de ar desde -30ºC até 37ºC.

2 - A água que evaporamos nos pulmões.
O ar frio contém pouco vapor de água pelo que o frio desidrata. A uma temperatura ambiente de -30ºC, desidratamos pela respiração cerca de 24 g/h. Evaporar água a 37ºC sem beber implica uma perda 2250 j/g. Então, a desidratação implica uma perda de 18w.

3 - A hidratação
Uma solução que permita a sobrevivência durante vários dias obriga a desviar parte do calor a aquecer gelo para poder ser bebido.
Para nos hidratarmos temos que beber cerca de 1.5l/dia mais a água que evaporamos nos pulmões. então, precisamos derreter 2.0kg de gelo a -30ºC e elevar a sua temperatura até 37ºC que utiliza 12w.

Dos 120w de calor produzido, gastamos 42w na respiração e na água para beber.
Se imaginarmos que o processo tem alguma margem de perda então, já estão gastos 50w, cerca de 40% do calor produzido.

4 - O arrefecimento do corpo.
Temos agora 70w para perder pelas paredes do abrigo.
Se houver 2 pessoas no abrigo, para termos um temperatura na ordem dos 18ºc, o calor perdido pelas paredes do abrigo não podem ser superiores a 3w/ºc.
Utilizar a sandwich de chapa metálica + poliuretano calculado acima como tendo uma perda de calor de 0.239 w/m2/ºk, é possível o desenho da Fig. 2 onde projecto uma pequena janela em vidro duplo.

Fig. 2 - Um projecto de um abrigo para um ambiente com temperatura de -30ºc

E qual a lotação do abrigo?
Se tiver uma pessoa, a temperatura será de -7ºc o que é suportável com roupa de inverno e um saco cama de inverno.
A dimensão é perfeita para 2 pessoas deitadas podendo ter uma terceira pessoas deitada ao contrário. No caso de 3 pessoas, mesmo descendo o nível de actividade até aos 80w (dormir), a temperatura interior ficará nos 18ºc.
Em caso de grande necessidade, o abrigo suporta até 10 pessoas sentadas.

A ventilação.
Assumi que as pessoas usam uma mascara de forma a que o ar expirado seja despejado directamente para o exterior.

Fig. 3 - Esquema da válvula de exaustão do ar expirado

No caso de haver mais de 3 pessoas no abrigo, será preciso ventilação adicional para diminuir a temperatura interna.
No caso da alta montanha, como é preciso beber muita água, para os montanhistas ficarem confortáveis terá que haver 3 pessoas no abrigo.

E quanto custará isto?
Fica barato.
São 25m2 de chapa zincada de 0.4mm que custa cerca de 125€ (um peso de 90kg).
O poliuretano andará em mais 125€.
Depois fica a porta com janela, o sistema de ventilação e a mão de obra.
Deve ficar abaixo dos 750€ por unidade.
Também não poderia ficar muito mais caro pois é muito parecido com uma arca frigorífico grande (com 3000 litros) sem motor.

O peso total deve ficar nos 150kg.

Será possível ir e vir ao Pólo Norte a pé?
Com o conhecimento que existe actualmente sobre a perda de calor, podemos vestir roupa leve e barata que nos permite sobreviver nas condições climatéricas mais extremas.
O segredo da roupa eficiente é aprisionar o ar o que é conseguido alternando uma camada de uma fibra pouco densa com um película fina impermeável ao ar (corta vento).
Não vale a pena vestir roupa muito grossa se o vento puder penetrar e arrastar o calor para fora.
Uma camisola simples tem uma espessura de 0.4cm e uma em fibra cardada tem 2cm.
Se intercalarmos 3 camadas de fibra com 2cm de espessura com 3 películas de plástico, consegue-se reduzir as perdas de calor (nos 2.5m2 de área que temos) a 2.0w/ºk.
Este isolamento é compatível com uma marcha num ambiente com temperatura na ordem de -30ºc. Interessante bastarem 6cm de espessura de roupa devidamente organizada para resistir a -30ºc.
Para dormir será necessário reforçar o isolamento com um abrigo de neve.


Fig. 4 - Lá para o Norte também se encontram mulheres bonitas

E a comida?
Ir ao Polo Norte e voltar a pé demora cerca de 90 dias.
Se a potencia térmica média for de 240w, serão precisas 5000kcal/dia.
A gordura (azeite, banha de porco, manteiga) tem 9000kcal/kg. Então, nos 90 dias serão precisos 50kg de gordura mais 20 kg de alimentos diversos. A segurança aponta para que, inicialmente, o explorador tem que transportar um mínimo de 100kg de alimentos.
É muita carga para um homem só a pé (com um trenó) mas não é impossível se, com a ajuda do GPS, a carga foi sendo deixada ao longo do caminho (para o regresso).
Numa espedição com meia dúzia de pessoas para diminuir o risco (em caso de acidente ou doença, o socorro é virtualmente impossível), é uma missão realizável e, provavelmente, menos arriscada, mais barata e mais emocionante que subir o monte Evereste.

Pedro Cosme Costa Vieira

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