Em 2025, celebra-se o centenário do nascimento de Luíz Pacheco,
figura singular da literatura portuguesa, cujo percurso de vida reflectiu de forma radical o que ele próprio chamava de “viver de verdade”. Pacheco perdeu tudo o que era material — bens, segurança e reconhecimento social — para manteve a liberdade de pensar e a integridade intelectual e moral que se traduzem na sua escrita: incisiva, crítica e profundamente honesta.
A obra Comunidade surge nesse contexto de liberdade que condena o homem livre e autêntico à miséria, ao cancelamento, e à indiferença da sociedade dos que não pensam, que se conformam em repetir o que ouvem dos 'mestres', e que se auto-assumem como estando do lado correcto da história e tendo a moralidade verdadeira.
Em Comunidade, Pacheco desafia o leitor a confrontar verdades incómodas sobre a miséria que as pessoas de bem preferiam ignorar e sobre a qual teciam julgamentos morais.
O mais impressionante é que, hoje, a situação não é diferente.
Dizemos que no tempo em que Pacheco escrevia, antes da libertação do 25-de-Abril, pensar livremente era quase impossível; qualquer desvio do consenso social levava à perseguição, à censura e à marginalização.
Dizemos hoje de boca cheia que os membros do movimento Surrealismo em Portugal que surgiu oficialmente em 1947 com a publicação do manifesto surrealista português, e que incluía escritores e artistas como Mário Cesariny, João Vieira, José-Augusto França, António Pedro e Fernando Azevedo, entre outros pagaram um preço muito elevado imposto pela ditadura apenas por defenderem a liberdade total da imaginação, o inconsciente, o absurdo e a subversão das normas sociais e estéticas.
Sofreram expulsões, assédio, isolamento social e censura, mostrando que a coragem de pensar e agir fora do conformismo tinha um custo, atingindo não só o indivíduo mas também aqueles que se atreviam a apoiá-lo.
Mas essa realidade não é do passado.
Quando entrei na Universidade do Porto, pensei que encontraria um alfobre de novas ideias, um lugar onde se discutisse livremente — até de madrugada — sobre os problemas mais escondidos da sociedade. Imaginei debates sobre marginalidade, desigualdades, sexualidade, imigração, ou qualquer questão que desafiasse o pensamento dominante. O que encontrei, porém, foi um ambiente focado apenas em atingir metas, rankings, mudar de escalões e conformar-se às sebentas e ao que já se fazia há muitas gerações. A liberdade de pensar é tão reprimida quanto nos tempos de Pacheco, substituída por um conformismo silencioso que afasta qualquer inovação ou questionamento profundo.
Já nem se pode dizer que ser gordo faz mal à saúde, que há pessoas feias nem que as mulheres são fisicamente menos fortes do que os homens.
Acabei despedido.
Apesar de não viver em mim a genialidade, como Pacheco, permaneço fiel à ideia de que apenas vale a pena viver se for a vida verdadeira o que, concluo, se mantém um ato de coragem pelo qual se paga um preço muito elevado. Esse preço faz com que a grande maioria das pessoas se conforme a viver a vida segundo o que pensam os outros ser o certo e que se transformem mesmo nos algozes que perseguem sem quartel quem pensa de forma livre.
Como pode a sociedade evoluir, a economia crescer e as pessoas serem mais felizes se se tem de pensar e fazer apenas o que sempre foi feito, repetindo aos alunos o que as sebentas dizem há décadas, os exercícios que não mais fazem sentido, escondendo o que existe hoje e o que há-de vir?
segunda-feira, outubro 13, 2025



1 comentários:
O senhor professor dispõe de conhecimentos para fazer melhor que o Luiz Pacheco. Inspire-se no personagem interpretado por Tom Hanks em "O Náufrago": "You never know what the tide may bring".
Deixe-se de choraminguices, arregace as mangas, e ponha mãos à obra que o seu conhecimento pode proporcionar.
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