sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Haverá futuro para as centrais nucleares?

Há uns dias, Macron anunciou que vai mandar fechar 25% dos reactores nucleares.
Não acredito muito que os reactores vão mesmo fechar porque, estando em funcionamento e dentro do prazo de validade, nada o justifica, mas o principal é que está implícito nas suas palavras que não serão construídas novas centrais nucleares em França.
Será que a França está com medo do nuclear? 
Será que está a ceder à pressão dos radicais ambientais? 
Nada disso, tem antes a ver com a economia e com o risco tecnológico!

Vamos à economia do nuclear.
Fazer um reactor nuclear implica um investimento na ordem dos 7000€ por kw (ver, Hinkley Point).
A amortização deste investimento em 60 anos com uma taxa de juro de 5%/ano traduz um custo fixo de 30€/mês por kw.
Para uma taxa de funcionamento de 93%, o custo do investimento traduz-se então em 4,5cênt/kwh.
Depois, temos o custo em combustível e manutenção que é na ordem dos 2,0 cênt/kwh.
Então, quando vamos projectar fazer uma central nova, o custo de produção é de 6,5 cênt/kwh mas quando estamos a operar uma central "velha" o custo de continuar a trabalhar é de apenas 2,0 cênt/kwh.
Neste momento, a electricidade está a ser transaccionada na ordem dos 5,0 cênt/kwh (MIBEL) pelo que não é economicamente viável fazer novas centrais nucleares sendo, no entanto, economicamente acertado continuar a operar as existentes.

E o que é o risco tecnológico?
É haver uma inovação tecnológica capaz de destruir as tecnologias existentes.
Este conceito de "inovação destruidora" deve-se a Schumpeter.
Nas "maiores" tecnologias existentes (carvão, gás natural, hídrica e eólica), não parece que vá surgir grande inovação. O Carvão emite muito CO2, o gás natural também emite CO2 e está a financiar as ambições da Rússia, a hídrica, já há barragens em tudo que é rio e a eólica já não tem margem para crescer a custos razoáveis. Mas ainda sobra a tecnologia solar que, apesar de ainda ser pouco significativa no produção de electricidade por ser cara. Além disso, baseia-se numa tecnologia, o Silício, que tem mostrado ter muito potencial para melhorar, isto é, para diminuir os custos de produção.

Os custos da electricidade solar.
Como só há luz solar algumas horas por dia, para termos uma produção média ao longo do dia de 1 kw precisamos de um painel de 5kw cujo custo actual com instalação é na ordem dos 7000€.
Para uma amortização em 25 anos a uma taxa de juro de 5%/ano, teremos um custo fixo de 40.5€/mês que se traduz em 5,6 cênt/kwh. Com  custos de manutenção de cerca de 10% deste valor, 0.6 cênt/kwh, temos um custo total de 6,2 cênt/kwh.
Então, o custo da energia solar ainda está acima do preço de mercado mas é competitiva em sistemas "fora da rede", para pequenas potências e durante as horas com sol!

O risco tecnológico.
É que nos últimos 10 anos, o custo dos painéis solares diminuiu para metade.
Se a inovação tecnológica continuar à mesma velocidade, daqui a 20 anos, a electricidade com origem solar estará a 1,6 cênt/kwh batendo o preço de todas as tecnologias actuais.
Nessa altura, durante o dia a electricidade solar vai injectar energia na rede a um custo muito baixo obrigando todas as outras tecnologias a recuperar o investimento apenas nas horas em que não há luz solar. 
Como o nuclear não funciona bem neste tipo de regime, mesmo que em termos físicos o reactor dure 60 anos, em termos económicos, poderá estar obsoleto daqui a 20 anos.

Uns dados.
A central fotovoltaica da Amareleja entrou em funcionamento em 2008. Traduziu-se num investimento de 237,4 M€ para uma produção anual de 93000MWh (potência nominal de 46,4 MW). Para um prazo de amortização de 25 anos e uma taxa de juro de 5%/ano, o custo de capital é de 0,181€/kwh.
A central fotovoltaica de Alcoutim vai entrar em funcionamento em 2019. consiste num investimento de 200 M€ para uma produção anual de 383000 MWh (potência nominal de 220MW). Mantendo um prazo de amortização de 25 anos e uma taxa de juro de 5%/ano, o custo de capital é de 0,037€/kwh.
No espaço de 11 anos, o custo de capital (que representa aproximadamente 90% do custo total), reduziu-se em 80% o que traduz uma redução para metade a cada 5 anos.
A esta taxa de progressão, daqui a 10 anos, entre as 9h e as 17h, só haverá produção fotovoltaica.

O funcionamento de uma célula electro-solar.
Esta explicação é só para verem como a tecnologia tem potencial para melhorar.
Neste momento, faz-se um "monocristal" de silício que se corta em fatias com 0,50mm da mesma forma que se faz para os processadores e memorias dos computadores. A diferença é que se vai transformar toda a fatia num só díodo na horizontal.
Usa-se o Silício como "base" dos processadores, memorias e células solares por ser semicondutor, isto é, nem é isolante nem condutor.
O Silício tem 4 electrões na orbital exterior sendo que, quando é "contaminado" de um lado da chapa com  Fósforo passa a existir geometricamente  um electrão a mais. Se do outro lado existirem átomos de Boro, em termos geométricos haverá um electrão a menos (um buraco). Estando os dois "materiais" em contacto, os electrões a mais vão migrar para os buracos criando um "desequilíbrio" eléctrico, positivo do lado do Fósforo, lado n, e negativa do lado do Boro, lado p, criando-se a barreira de depleção. Como o Silício é apenas semicondutor, esse campo eléctrico não se anula.
Quando a Luz atinge um átomo de Silício da barreira e lhe retira um electrão, o desequilíbrio eléctrico atira o electrão para o lado do Fósforo e o "buraco" para o lado do Boro, afastando-se da barreira. Depois, o electrão do lado do Fósforo só consegue atravessar a barreira de volta ao Boro se a tensão for superior a 0,58 volts.
Fazendo uma ligação externa (entre o lado n e o lado p), o electrão vai sair do lado n e "caminhar" até ao lado p, criando-se uma corrente eléctrica com uma voltagem na ordem dos 0,5 volts.
Quando mais luz houver, mais electrões existem em circulação mas a tensão mantém-se sempre a mesma.

Fig. 1 - Esquema de uma célula foto-voltaica. Na barreira de depleção, um electrão do Fósforo vai-se juntar ao Boro criando uma barreira eléctrica.

Actualmente, uma célula fotovoltaica tem 0,25mm mas, em termos físicos, 0,0001mm são mais do que suficientes (i.e., 100 nm).
Agora imaginemos que se inventa um processo que permita criar esse cristal de silício extremamente fino a um baixo custo. Neste caso, imediatamente, tudo o que conhecemos em termos de energia passará a ser história.

E essa coisa da "fusão nuclear".
É dinheiro deitado fora pois essa tecnologia nunca verá a luz do dia.

E quantas horas de sol há por dia?
Em média, num sítio concreto, no máximo são 10 horas por dia pois temos que descontar a primeira e a última hora do dia por a luminosidade ser fraca. A duração do dia varia com a evolução do ano sendo, em Portugal, no máximo de 14h30 e no mínimo de 9h30.
Temos ainda que retirar os dias nublados.
Mas, se houver uma ligação entre regiões com latitudes distantes, o período em que há luz do sol aumenta. Por exemplo, em Paris, quando o Sol nasce já nasceu no leste da Turquia há 2h40 e na Coreia do Sul há 8h.
Com 12000km é possível ligar Portugal à Coreia do sul e, com uma linha suplementar de 7000km, ligar a rede europeia à Norte Americana.
Assim, se a electricidade com origem solar se tornar muito barata, uma ligação trans-continental entre a Europa e a América do Norte vai permitir cobrir o consumo de electricidade durante todas as 24h do dia.

Fig . 2 - "Basta" um cabo de alta tensão com 22500km para termos no hemisfério Norte electricidade solar dia e noite.

Como será o cabo eléctrico transcontinental?
Para haver electricidade com origem solar dia e noite é preciso ligar a Europa Ocidental ao continente americano com um cabo em corrente contínua com 22500km.
Supondo que na hora de ponta de Inverno cada um dos 500 milhões de europeus gasta 1kw, como nesta altura a produção europeia será nula, toda esta energia terá que vir do continente americano. Então, a linha de transmissão terá que ter uma capacidade na ordem dos 500 mil MW, equivalente a 500 centrais nucleares.
Tendo um cabo com 1m de diâmetro a 1,5 milhões de volts capacidade na ordem 50 mil MW, serão precisos 10 cabos desta dimensão.
Quando o dia ainda não tiver nascido em Nova York, a electricidade irá em sentido contrário, da Europa para a América.
A vantagem da corrente contínua é que as perdas são menores, é só preciso o cabo positivo (o cabo negativo é a Terra) e funciona como um tubo de água: pode-se injectar energia em qualquer sítio e mudar o sentido da corrente sem haver preocupação com o ciclo (que viaja ao longo do cabo à velocidade da Luz).

E onde ficam os carros eléctricos?
Carregarão durante o dia, enquanto houver sol e excedente eléctrico na rede, e as suas baterias, se ficarem mais duráveis e baratas, irão fornecer electricidade a sistemas "fora da rede" à noite e nos dias nublados.
O problema é saber se a redução no preço dos painéis solares vai continuar nas próximas décadas.
E por ninguém saber o que vai acontecer no futuro é que estamos em presença de um "risco tecnológico".

Fig. 3 - É boa mas tem risco, é mais seguro investir numa professora do secundário.

3 comentários:

Anónimo disse...

Pode por favor quantificar a ordem de grandeza das perdas para transferir energia por um cabo entre a Europa e a América?
Creio que na Europa há muitos "dias nublados" e que será mais rentável produzir no deserto do Saara.
Cumprimentos. JF

Gonçalo disse...

O custo do desmantelamento da central e gestão dos correspondentes resíduos ao fim dos 60 anos estão contabilizados nos valores de investimento apresentados?

Anónimo disse...

O artigo tem bastantes erros que invalidam a ideia de que transmissão transatlântica alguma vez pudesse funcionar. Só as perdas na transmissão chegam para isso. É muito improvável que sem métodos de armazenamento de energia totalmente novos, energia solar consiga suportar as necessidades globais.

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