As contas públicas dos USA estão descontroladas.
As pessoas estão concentradas no descalabro do défice com o exterior (o défice corrente que mede saldo entre o que vendem e compram ao exterior) e a imposição de tarifas pelo Trump no sentido de o controlar mas a raiz do problema está no défice das contas públicas que, em 2024, foi de 6.6% do PIB.
Em termos aproximados, o défice de 2024 foi, em termos monetários, de $1900G, milhares de milhões de dólares, e as principais despesas onde existe "liberdade política" são:
Segurança Social: $1200G.
Saúde: Medicare $800G / Medicaid $600G.
Defesa e Segurança Nacional: Em torno de $800G.
Programas de Assistência Social Federal: $200G.
Educação Federal: $100G.
Como o Trump não pode subir impostos por causa das promessas eleitorais, tem de criar outras fontes de rendimento (as tarifas e o aumento da produção de petróleo) e cortar nas verbas mais importantes.
É mais difícil controlar o défice americano do que num país europeu.
É que a receita pública americana é muito inferior à receita pública nos países europeus.
A despesa pública americana anda na ordem dos 35% do PIB enquanto que nos países europeus anda próxima dos 50%. Então, anular um défice de 6.6% do PIB, nos USA obriga a cortar a despesa em 6.6/35 = 19% enquanto que na Europa só é preciso cortar 6.6/50 = 13% na despesa.
Dada a dificuldade, o Trump chamou o Elon Musk para cortar $1000G na despesa pública.
No controlo do défice, o Trump está a apostar em reduzir o défice para 3% em "poupanças por ganhos de eficiência" mas, como já ouvimos repetidamente este anúncio milagroso, apenas cortes na Segurança Social, na Saúde e na Defesa têm impacto significativo.
O querer "sair" da Ucrânia é uma forma de cortar na Defesa sem cortar na "Segurança Nacional".
É que se nada for feito, a América do Norte vai à falência e as consequências serão terríveis.
É o défice público a causa do défice das contas externas americanas.
Grande parte do défice público americano é resolvido por crédito chinês, isto é, o Estado da China empresta dinheiro aos USA.
Na disciplina que leccionava no último ano de economia, repetidamente, alunos mais atrevidos faziam-me esta pergunta :-) Parece que nenhum dos meus colegas tinha conseguido dar uma resposta aceitável.
Vejamos agora como esses empréstimos para financiar o défice público implicam défice das contas com o exterior.
1 = Situação de equilíbrio (inicial).
A China exporta $1000/ano e importa $1000/ano dos USA. Neste caso, a quantidade de dólares a circular nos USA e em reserva no banco central da China, BCC, mantém-se constante. Suponhamos que o BCC tem $1000 em reservas.
Nesta situação, o défice público americano, $1000/ano, é financiado pelos americanos e, por causa disso, a taxa de juro é elevada, por exemplo, 7%/ano.
OS valores são apenas a título ilustrativo. Se acharem que $1000/ano é pouco, imaginem $1000 por centésimo de segundo.
2 = A China financia parte do défice americano (com câmbios fixos).
A China decide emprestar $200/ano para cobrir parte do défice público dos USA.
Neste caso, o financiamento dos americanos diminui para $800/ano o que faz descer a taxa de juro, por exemplo, para 6%/ano. Este efeito é positivo mas também acontece algo negativo:
Passa a haver mais dólares em circulação na América o que faz os preços dos bens americanos subir.
Como os preços nos USA sobem e na China se mantêm, os bens chineses tornam-se relativamente mais baratos do que os bens americanos. Esta diferença nos preços relativos faz com que a China passe a exportar mais e a importar menos.
3 = O novo equilíbrio (final).
Com os novos preços nos USA vai haver um novo equilíbrio em que as reservas do BCC voltam a $1000 e a quantidade de moeda em circulação na América estabiliza.
Exportações - Importações + Empréstimo da China = 0
Para "digerir" o crédito chinês de $200/ano, os USA diminuem as exportações para $900/ano e aumentam as importações para $1100/ano.
$900/ano - $1100/ano + $200/ano = 0
Nesta altura, os bens americanos estabilizam mas mantêm-se mais elevados que na situação inicial.
4 = E se os câmbios forem variáveis (e os preços fixos)?
O efeito é o mesmo mas usando outro "canal de transmissão" do efeito do crédito chinês.
Para não esgotar as reservas do BCC, a China vai ao mercado de divisas "comprar" dólares (em troca da venda de yuan) para os emprestar aos USA.
Neste caso, a taxa de juro aumenta (o crédito vai ser esterilizado) o que faz com que os preços americanos não se alterem.
No entanto, a cotação do dólar aumenta (porque há mais pessoas a querer comprar dólares) e a cotação do yuan diminui (porque há mais pessoas a querer vender yuan).
Se a cotação do dólar aumenta e a cotação do yuan diminui, os preços relativos dos bens chineses, em dólares, diminui o que faz com que, nos USA, diminuam as exportações e aumentem as importações.
5 = E se os câmbios forem variáveis e os preços também?
O efeito é o mesmo mas usando ambos os "canais de transmissão" numa certa proporção.
Os preços americanos sobem mas menos (por exemplo, 40% do que aumentaria se os câmbios fossem fixos) e a cotação do dólar aumenta (por exemplo, 60% do que aumentaria se os preços fossem fixos).
No final, com câmbios fixos ou variáveis, com preços fixos ou variáveis, as exportações americanas diminuem e as importações americanas aumentam.
Não é só o défice público tem desequilibra as contas com o exterior.
Qualquer endividamento externo desequilibra as contas com o exterior mas o défice público é uma parcela mais importante porque, na relação entre estados, é assumido como "Sem Risco".
Querendo a China conceder crédito à economia americana, pode emprestar dinheiro à OpenAI, à Tesla , a um banco comercial ou fazer um financiamento directo às exportações para os USA mas, por causa do risco, estas operações têm de ser avaliadas individualmente o que coloca problemas ao "politburo" (além de ser uma fonte de corrupção).
O mais fácil é o politburo ter decidido em 2000, "Nos próximos 25 anos, vamos financiar o défice público americano em 3% do nosso PIB".
O Milei é um maluco como diziam os "sábios" da Economia ou sabe mesmo de economia?
Com escrevi num poste (ver, 20nov2023) que as politicas económicas do Milei podiam mesmo funcionar.
É que os "sábios" que aparecem na comunicação social são de esquerda, defendem o modelo keynesiano como se fosse a verdade quando é evidente que está errado porque assume que o "investimento autónomo" é uma variável exógena que está desligada da poupança. Além disso, os economistas esquerdistas acreditam na Curva de Philips (diminuir a inflação causa desemprego e contração do PIB) quando se sabe, pelo menos há 50 anos, que não é verdade.
O desafio mais urgente do Milei era diminuição a taxa de inflação que, quando tomou posse, estava em 1427%/ano (taxa mensal de 25.5%/mês em Dezembro de 2023, anualizada). Este desafio está ganho pois a inflação caiu para 30%/ano (taxa mensal de 2.2%/mês em Janeiro de 2025, anualizada)
Em Janeiro de 2025, a taxa de inflação mensal voltou ao nível de 2020.
O PIB caiu um bocadinho mas está a recuperar.
Assumindo o PIB valia 100 em finais de 2023, em finais de 2024 vale 97, uma contracção de 3% mas está a recuperar.
Se nos lembrarmos da crise grega em que a queda no PIB foi de 27%, na Argentina as coisas até estão a correr muito bem.
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