quarta-feira, 8 de julho de 2015

19 - A resposta

Crime e Redenção 
Pedro Cosme Vieira
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Ver o capítulo anterior (18 - O ataque)    



19 – A resposta
A carta foi nesse mesmo dia para o correio que tinha o depósito no posto da polícia. Como normalmente, à noite o Polícia Vieira levou as cartas para o Vale que, no dia seguinte, seguiram o seu caminho rumo ao seu destino final, no caso desta carta, a América. Mas chegar a um local tão longe demoraria o seu tempo pois teria, primeiro, que ir de carroça até à cidade, depois, de comboio até um porto de mar para, finalmente, seguir de transatlântico até à América. No entretanto, a espera por resposta tornou-se angustiante mas a boa notícia é que, cada dia que passava, o Francisco melhorava. O Dr. Acácio passava por lá todas as manhãs para fazer o curativo e, decorrida apenas uma semana, pode tirar o dreno. Na segunda semana tirou os pontos e deu a ferida por curada “Correu muito bem, melhor do que eu pensava, o Francisco é um jovem cheio de vida e de coragem. Agora é só lavar e pôr tintura uma vez por dia e, se tudo correr como está a correr, daqui a mais uma ou duas semanas a ferida já estará totalmente curada. Já vai pode começar a experimentar as muletas, primeiro com a ajuda de um homem forte porque, despois destes dias todos na cama, não vai ter equilíbrio e não pode correr de cair pois o osso ainda vai demorar uns meses a ganhar calo. Depois de ganhar equilíbrio, já pode andar sozinho com as muletas. Como eu disse, daqui a nada vamos ver o homem a andar por aí como se nada se tivesse passado.”
A partir das 3 semanas, a Maria Zé ia todos os dias ao posto da polícia procurar pela carta de resposta.
– Sr. Polícia Vieira, chegou alguma carta da América para a minha mãe?
– Não Maria Zé, ainda não chegou nada. Tens que dar tempo ao tempo pois, pela minha experiência, a carta ir e vir demora pelo menos 28 dias. Mas não tenhas muita esperança pois penso que nunca irás ter resposta. Haverá alguém neste mundo que queira deitar dinheiro fora? Sim, porque dar-te dinheiro é a mesma coisa que o deitar fora. E para mais vindo essa ajuda de uma pessoa que desapareceu daqui há já quase 50 anos. Nem que esse tenha dinheiro a apodrecer, já nem se deve lembrar que este fim do mundo existe.
– Não diga isso Sr. Polícia porque o meu tio sabe que se não me ajudar, os meus meninos vão morrer de fome.
– É mais um acima ou abaixo, sois como os coelhos, nascem uns atrás dos outros e também já quantos mataste? O melhor é matares estes também para que não sofram mais. Deixa-te de choramingar que, se estes morrerem, fazes outros. E se não fores tu a fazê-los, não falta quem os faça.
Chegou o 28.º dia, depois o 29.º, o 30.º e nada de resposta pelo que a Maria Zé desanimou de ir procurar por notícias da carta. “Meu Deus ajuda-me que todos me abandonaram, mostra-me uma luz que eu estou no meio da escuridão.” Ao 40.º dia, já 12 dias depois da data esperada, a mãe bateu-lhe à porta “Maria Zé, Maria Zé, anda daí que mandaram-me recado do posto da polícia a dizer que chegou uma carta da América. Mandei lá a tua irmã buscá-la mas disseram-lhe que tinha que ser eu a levantá-la, parece que também traz uma encomenda. Estou cheia de nervoso, anda comigo ver a resposta que eu não sei ler, anda, vamos ver o que o teu Tio Jonas diz.”
– Sabe mãe, já perdi a esperança, o Polícia Vieira fez-me ver a verdade. Porque carga de água vai um homem, mesmo que meu tio, que vive fora daqui há já quase 50 anos, ajudar-me? Desculpe mãe mas a sua ideia não tem pés nem cabeça. A carta vai ser a dizer para não o aborrecermos mais com pedidos ou mesmo a dar a notícia de que já morreu faz anos, quem sabe, na miséria.
– Não filha, ele sinto que ele fez vida na América e sabe que eu nunca lhe pediria nada se não se tratasse mesmo de uma situação muito delicada. Mas anda daí que ficamos já a saber qual é a resposta e como ele te vai ajudar.
– Não mãe, não vou, perdi totalmente a esperança mais que, disse-me o Polícia Vieira, a carta poderia ter sido respondida em 28 dias e demorou 40 dias pelo que a resposta não pode ser mais do que negativa. Mais vale ficar aqui com a minha miséria do que ir ao posto para passar pela vergonha de ficar a saber à frente daquele homem sádico que o meu futuro é ver as minhas crianças a pedir esmola de porta em porta e a morrer de fome encostadas a uma pedra do monte. Tenho é que me preparar para voltar a ir viver para junto da mãe, para o curral das ovelhas pois, quando chegar o tempo de pagar outra vez a renda, não terei como o fazer.
– Não filha, eu não perco a esperança assim tão depressa. Vou eu mesmo saber as novidades, o problema é que não sei ler, mas alguém há-de-me ajudar. Já sei, levo a carta à Menina Dulcinha.
A mãe dirigiu-se ao posto da polícia e a Maria Zé, apesar de se dizer sem esperança, foi no seu encalço, escondida, porque, no fundo, a notícia da chegada da carta tinha acendido uma pequena luz de esperança. Não tinha coragem de ouvir o Não mas, pensou que, olhando de longe para a expressão facial da mãe quando saísse do posto da polícia, já ficaria a saber se a resposta tinha sido sim ou não.
A mãe entrou no posto e deveria demorar, no máximo, uns 5 minutos a recolher a carta mas, estranhamente, não mais saiu de lá. Quem saiu e com passo rápido foi o Polícia Vieira que voltou passados 15 minutos acompanhado pelo Polícia Guedes que andava a fazer patrulhamento, tempo em que a Isabel esteve sempre dentro do posto. Finalmente, assim que os dois polícias entraram, a Isabel saiu acompanhada por eles. “O que será que se passou para demorar tanto tempo lá dentro e agora vir acompanhada pelos dois polícias? Será que descobriram a sua implicação na morte de alguma das crianças? Será que a vão prender? Se assim for, então é que vai ser o fim do mundo”.
Os polícias acompanharam sempre a Isabel, um de cada lado, pelo meio da aldeia e, quando as ruelas eram mais estreitas, um à frente e outro atrás, até que pararam em frente da casa do Sr. Costa. Bateram à porta e, ao longe, a Maria Zé ouviu qualquer coisa parecida com “... uma arma de fogo ..., ficar à sua guarda ..., meter na caixa forte ..., as crianças estavam condenadas a morrer ...,” do qual construiu frases que só poderiam ser de tragédia. “Será que a minha mãe matou alguma criança que tinha à sua guarda com uma arma de fogo? Será que eles descobriram que ela matou alguma criança asfixiada dentro da caixa da roupa ou do milho?” O Sr. Costa disse que sim com a cabeça e o Polícia Vieira entregou-lhe um embrulho. Depois, apertou a mão à mãe, virou costas e até lhe fez continência. “Coisa estranha, ele que nunca aperta a mão aos pobres como é que foi apertar a mão à minha mãe? Será que é assim que dão Voz de Prisão a uma pessoa?”
A mãe olhou para um lado para o outro e desatou a correr rumo à casa da filha mas a Maria Zé cortou-lhe logo o caminho “Mãe, mãe, estou aqui, aqui, o que é que se passou? Porque é que demorou tanto tempo no posto da polícia? Descobriram alguma coisa sobre as crianças que morreram? Vem a fugir porque lhe deram Voz de Prisão?
– Não filha, não filha, aconteceu o impensável, foi mesmo um milagre maior que o abrir das águas do Mar Vermelho pelo Moisés, eu sempre disse que aquele homem tinha um coração de ouro. Ele vai-te ajudar.
– Mas quem é que me vai ajudar? O tio vai receber lá o Rúben, é isso? Mas como posso eu pagar a viagem? Onde é que eu vou arranjar os 1000€ para a viagem?
– Não penses mais nisso, sim, o teu tio, o teu tio, ai que ainda me vai dar algum ataque, deixa-me sentar um bocadinho que eu já não estou a ver nada, traz-me um pouco de água que eu vou desmaiar aqui mesmo no meio do caminho, ajuda-me que tenho que me sentar aqui no meio do chão – e a Isabel caiu quase que desmaiada – rápido, traz-me um pouco de água que eu devo estar a sonhar, já devo ter morrido e estou a entrar no paraíso.
A Maria Zé bateu rápido numa porta e pediu um pouco de água, “Por favor, dê-me um pouco de água que a minha mãe sentiu-se mal e está ali caída no chão”. Com aquele alvoroço foi-se juntando gente, primeiro umas 3 pessoas, depois 10 e por fim 50 “O que se passa, o que aconteceu?” perguntavam as pessoas “Foi a minha mãe que teve um encobrimento, por favor deixem que eu lhe dê um pouco de água” e aproximando-se, a Isabel segurou a malga com as duas mãos e bebeu e disse com a voz embargada e com lágrima no olho “Maria Zé, Maria Zé, toda a gente que aqui está ouça que aconteceu um milagre, Aleluia, aconteceu um milagre, o irmão do meu marido, o Jonas, que está na América vai para 50 anos mandou um vale postal, vejam só, mandou um vale postal, bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, o único que faz maravilhas, mandou um vale postal de 3250€ para que eu possa ajudar a minha filha.” As pessoas que se juntaram a ver aquele acontecimento responderam “Aleluia, o Senhor seja louvado, isso é uma pipa de massa!”.
– Mãe, isso só pode ser confusão, a mãe deve estar a confundir.
– Não, não, eu tenho a carta aqui na mão. Entra ali em casa do Sr. Costa e pergunta-lhe pois é ele que tem o dinheiro. É que o oficial achou que eu podia ser assaltada pelo caminho e que o dinheiro ficaria mais seguro com o Sr. Costa porque, além de ter uma arma de fogo, tem uma caixa forte. Agora, quando precisarmos de dinheiro para qualquer pagamento, vamos a casa do Sr. Costa e ele dá-no-lo.

– Não pode ser.

Capítulo seguinte (20 - A carta)

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